Senti que ela me olhava. Discretamente, sem maiores excessos, mas me olhava o tempo todo. Estava duas fileiras atrás de mim, umas quatro cadeiras para a direita. Quando eu girava o pescoço, em busca de um sinal mais claro, ela recolhia o olhar, evitava o contato.
Que situação para flertar. Duas horas sentado ali, a tendinite me roendo os pulsos. Para variar, emergência lotada no Mãe de Deus - tinha mais de 50 na sala de espera. Aliás, qual seria o problema dela? Não tinha cara de doente, pelo contrário: postura esguia, o rosto corado, um quase sorriso constante na boca, um elegante nariz sem sinal de defluxo. Parecia bem. Muito bem, na verdade. Cara, que mulher.
Precisava fazer algo, aquela lenga-lenga passara do limite. Ela me olhava, eu retribuía, ela desviava; ela me olhava, eu retribuía, ela desviava. Talvez ela já cogitasse a hipótese de eu ser um lerdo, um fracalhão, um homem sem pulso - embora, no sentido literal, eu estivesse mesmo perdendo os pulsos -, e preciso admitir que nunca fui o sujeito mais desembaraçado do mundo, mas, por favor, ponha-se no meu lugar, uma mulher linda olhando para você em um hospital, veja bem, falo de um hospital, não de um bar ou de um shopping center, então me diga, que clima existe para a aproximação entre duas pessoas no ambiente frio e quase fúnebre da sala de espera de uma porcaria de hospital?
Levantei da cadeira.
Faria algo, não sabia o que, mas faria.
Ela me viu. E depois sorriu, baixando os olhos.
Meu Deus, e agora, meu Deus, e agora, meu Deus, e agora?
Calma. Fui caminhando, devagarinho, a barriga encolhida e o peito aprumado, senti segurança no primeiro passo, ansiedade no segundo, hesitação no terceiro, taquicardia no quarto, desespero no quinto, vontade de voltar no sexto, que grande bobagem eu fui inventar!, que diabos eu faria agora?, nem conseguia mais olhar para a mulher, imagine se ela me achasse invasivo ou se tudo aquilo fosse um mal-entendido, onde eu me meteria se fosse ignorado ou rejeitado, aí avistei uma lixeira e mudei a estratégia.
Não sem alguma pose, enfiei a mão no bolso e trouxe de lá um maço de cigarro quase vazio. E preparei o bote: como num passe de Ronaldinho Gaúcho, virei meu rosto para a direita, onde estava a cadeira dela, e joguei a bola de papel para a esquerda, onde ficava a lixeira. Agora, sim, seus olhos me fitavam de frente e sua boca me sorria com convicção, então pude sorrir de volta, pude ouvir os anjos tocando violino na emergência do Mãe de Deus, só que a lixeira fez PÉING.
Péing?
Não fazia sentido aquele barulho, porque uma bola de papel não faz barulho e... minhas chaves! Minhas chaves estavam no lixo!!!
Ela notou que havia algo errado, meu sorriso arrefeceu, uma cara de besta assumiu o lugar. Voltei para a minha cadeira, precisava pensar naquilo: um molho com oito chaves, e eu morava com a minha mãe, que estava na praia, portanto só tinha aquelas para entrar em casa, ou teria de levar um chaveiro para...
- Senhor Paulo Germano!
Jesus, era a enfermeira, era a minha vez. Precisava fazer uma escolha: a mulher, as chaves ou o médico? Vamos combinar que ela foi legal, passou duas horas aceitando a minha enrolação, respeitando o meu tempo e...
- Senhor Paulo Germano! - me chamaram de novo.
E lá fui eu, hospital adentro. Não adianta: às vezes só funciono sob pressão.