Pessoal, precisamos grudar o olho também na Venezuela. Há uma carnificina anunciada para amanhã, o primeiro dia de um setembro que tende a ser sangrento e a colocar o país, nosso vizinho ao norte, como uma ditadura sem ressalvas. Empilham-se presos políticos em cárceres nem sempre de endereços sabidos em meio a um caos socioeconômico e à ruptura institucional.
A oposição venezuelana denunciou a perseguição e detenção de seus dirigentes na véspera da sua grande marcha para exigir um referendo revogatório do mandato do presidente Nicolás Maduro, que por sua vez os acusou de buscar desatar a violência para dar um golpe de Estado. Os chavistas se manifestaram maciçamente ontem (terça-feira) em uma contraofensiva. Ante uma multidão na Plaza Caracas, no centro da capital venezuelana, o presidente acusou a oposição de planejar um golpe de Estado e ameaçou mandar seus dirigentes para a prisão se incitarem atos de violência na manifestação de quinta-feira - sabe-se que esses incitamentos podem ser ou não ser verdadeiros.
- Há que se derrotar o golpe de Estado sem impunidade. Quem se envolver no golpe, ou estimular a violência, vai preso, cavalheiro. Chorem ou gritem, serão presos!" - ameaçou o presidente venezuelano (percebam o linguajar...).
Em meio à detenção de alguns dos seus dirigentes, a opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) denunciou uma "escalada repressiva" do governo antes do que chama de a "Tomada de Caracas", com a qual amanhã (quinta-feira) pedirá a aceleração do processo do referendo revogatório ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que acusa de servir ao chavismo.
- Que ninguém se deixe intimidar - conclamou o líder opositor Henrique Capriles, que, em entrevista à agência de notícias AFP, anunciou uma nova etapa de mobilizações para obrigar o governo a aceitar o referendo.
Tanto o governo quanto a oposição têm trocado acusações nos últimos dias sobre atiçarem a violência nas manifestações, aumentando o temor na população de ocorrerem incidentes. Alguns comércios no leste de Caracas, que a MUD previu como pontos de chegada de opositores de várias cidades do país, planejam fechar amanhã (quinta-feira, durante a manifestação).
Imersa em uma profunda polarização política, a Venezuela sofre uma grave crise econômica com a escassez de produtos básicos que chega a 80% e uma inflação que foi de 180% em 2015, a mais alta do mundo, e que, conforme estimativas feitas pelo FMI, atingirá os 720% esse ano. Há fome, morte por doenças que poderiam ser evitadas, impotência e muita revolta popular contra um governo que, em tom primitivamente messiânico, apega-se ao poder sob a alegação de que cumpre missões revolucionárias, socialistas, de justiça social.
Deputados da maioria opositora no parlamento unicameral denunciaram a "perseguição política" contra dirigentes da MUD. A oposição assegura que o governo está "amedrontando" seus seguidores para evitar que se manifestem.
- Vê-se uma aumento seletivo no isolamento de dirigentes opositores - disse o presidente da Assembleia Nacional Legislativa, o opositor Henry Ramos Allup.
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As autoridades venezuelanas mandaram para cadeia, no sábado, o ex-prefeito opositor Daniel Ceballos, que estava em prisão domiciliar havia um ano, acusando-o de planejar sua fuga e preparar atos violentos para quinta-feira.
Na segunda-feira, detiveram em Caracas o opositor Yon Goicochea, acusado de "apoiar o imperialismo" e portar detonadores para explosivos que, segundo o governo, seriam usados no protesto. A oposição rejeitou as acusações. Denunciou também a detenção de outro líder opositor - Carlos Melo.
- Nem se prenderem todos nós irão evitar que as pessoas saiam para lutar por uma mudança democrática, eleitoral e pacífica - expressou o deputado opositor Tomás Guanipa, que acusou o governo de "plantar" provas contra Goicochea.
O Sindicato dos Jornalistas denunciou um ambiente difícil para a imprensa. Pessoas ligadas ao governo lançaram, na terça-feira, bombas incendiárias e fezes contra o prédio do jornal El Nacional, de linha crítica ao governo, enquanto jornalistas da emissora árabe Al Jazeera, que viajaram até a Venezuela para cobrir o protesto, não obtiveram permissão de entrada ao chegar no aeroporto.
A Igreja Católica venezuelana teve de sair a público, nesta terça, que o governo chavista respeite "o direito legítimo" à manifestação.
Ante as denúncias da oposição de que as autoridades estão impedindo a chegada de seus seguidores a Caracas, o dirigente chavista Jorge Rodríguez não se melindrou. Disse, que no centro de Caracas, os opositores "não vão entrar".
- Presumem-se atos de violência e desestabilização. Quando uma manifestação se transforma em violenta, esse direito se perde - advertiu o ministro do Interior, o general Néstor Reverol, que articula a segurança com chefes policiais.
O secretário-executivo da MUD, Jesús Torrealba, confirmou que a marcha opositora vai encher "de ponta a ponta" três grandes eixos viais da capital - a avenida Rio de Janeiro, a avenida Libertador e a avenida Francisco de Miranda - e que ocorrerá das 8h às 14h locais (de 9h às 15h de Brasília).
Em plena tensão, chegaram a Caracas o ex-presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e o ex-presidente panamenho Martín Torrijos, integrantes de uma missão de mediação para o diálogo entre o governo e a oposição.
Com a sua marcha, a MUD exigirá ao CNE a data exata e as condições da coleta de 4 milhões de assinaturas necessárias para convocar o referendo. Mas Socorro Hernández, reitora do CNE, confirmou que a oposição só poderá coletar as assinaturas na semana de 24 a 30 de outubro. Depois disso, há prazo de um mês para verificar as assinaturas e um máximo de três meses para organizar a consulta, o que afasta a possibilidade de que esta ocorra até o final de 2016. A oposição exige que o revogatório seja realizado ainda em 2016 para que sejam convocadas eleições, porque se a consulta ocorrer após 10 de janeiro de 2017 e Maduro perder (esse quadro é praticamente certo), seu vice-presidente completaria os dois anos restantes do seu mandato. O detalhe (e o diabo mora nos detalhes...) é que o vice, na Venezuela, não se elege. É escolhido pelo presidente, como qualquer ministro. A revogação do mandato de Maduro apenas em 2017 permitirá que ele escolha um laranja para ser o futuro presidente. Com isso, ele próprio continuará dando as rédeas do país.
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A oposição venezuelana está inconsolável. Tem denunciado os desmandos, os desvarios e os descaminhos que põem o país na iminência de uma ditadura sem ressalvas. Fala em "perseguição política" do chavismo diante da marcha para exigir o referendo revogatório do mandato de Maduro. O líder opositor Carlos Melo, do partido Avançada Progressista, foi detido pela polícia política e permanece "incomunicável na sede" do organismo em Caracas, denunciou o governador do Estado de Lara, Henry Falcón, no Twitter. O presidente da Assembleia Nacional, o opositor Henry Ramos Allup, denunciou no Twitter uma "tentativa de incendiar" a sede do partido Ação Democrática (AD) em Cojedes, em ação de membros da Frente Francisco de Miranda, ligada ao governo.
Diosdado Cabello, o nº 2 do chavismo e, internamente, adversário inimigo de Maduro, anda pondo ainda muito mais lenha no fogo alto.
- Preferimos um milhão de vezes prender terroristas do que ter uma gota de sangue - disse ele em um ato governista no centro de Caracas.
A MUD nega as acusações e seu secretário-geral, Jesús Torrealba, acusa o governo de fabricar versões por temer uma manifestação que ninguém deterá.
Delegados da MUD viajaram aos Estados Unidos para pedir às Nações Unidas e à Organização dos Estados Americanos (OEA) que acompanhem o protesto de amanhã. Na noite desta terça-feira, a secretaria-geral da OEA denunciou o "recrudescimento da repressão" contra opositores na Venezuela e informou ter "recebido denúncias que revelam o aumento da repressão e das violações dos direitos humanos". "Pretende-se criminalizar o protesto, ameaça-se inabilitar partidos políticos, criminaliza-se a atuação de deputados da Assembleia Nacional e ativistas da sociedade civil", destaca a OEA em comunicado.
Essas ações "deixam sérias dúvidas sobre o interesse do governo venezuelano em um diálogo sério e construtivo para se superar a crise na Venezuela".
A secretaria-geral da OEA qualifica o governo venezuelano, com todas as letras, de "ditadura" e denuncia o "recrudescimento da repressão" aos opositores antes da grande manifestação contra Maduro. Está avisando. Está preocupada.
Eu, cá no meu cantinho de colunista no extremo sul do Brasil, também.
De acordo com o secretário-geral, o esquerdista uruguaio Luis Almagro (ex-chanceler de José Pepe Mujica e crítico ao processo de impeachment brasileiro), tais fatos "fazem parte de uma ação sistêmica apoiada em mecanismos de repressão do Estado que violam" as liberdades dos venezuelanos.
- Isso contradiz completamente os princípios e valores democráticos e definem o governo da Venezuela como uma ditadura - assinalou Almagro, que pediu a Caracas que permita a manifestação "na mais ampla base de liberdade".