É muito importante levar isto a sério: um grupo de deputados da oposição exigiu ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que publique o cronograma do processo de ativação do referendo revogatório do mandato do presidente Nicolás Maduro, advertindo que se a votação não ocorrer este ano pode haver explosão social.
- Estamos aqui para exigir das autoridades eleitorais que esclareçam esta história e diante do sofrimento do povo suspendam as barreiras que impedem a realização do referendo este ano", disse, na sede do CNE, o vice-presidente do Parlamento, Enrique Márquez, que liderou a comissão de sete legisladores.
Os deputados foram recebidos por Luis Emilio Rondón, único dos cinco membros do CNE ligado à oposição. A opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) acusa o CNE de obedecer o governo Maduro e retardar o processo de ativação do referendo a fim de adiar a consulta para 2017.
Márquez advertiu que se o CNE decidir que o referendo não sairá este ano "haverá uma elevação da pressão social na Venezuela a limites intoleráveis".
Sempre é importante lembrar: além da profunda crise institucional, a Venezuela tem inflação anual estimada em 700%, desabastecimento de produtos básicos (alimentícios e medicamentos) em algo como 80% do total e índice de homicídios comparáveis aos de países em guerra. O referendo revogatório é previsto constitucionalmente para o meio do mandato de seis anos, como um "recall". Maduro ganhou as eleições de abril 2013, do rival Henrique Capriles, por reduzida margem. Na época, o país estava sob a comoção da morte de Hugo Chávez, o mentor de Maduro. A crise econômica também não era devastadora como se mostra agora. A impopularidade de Maduro é proporcional à truculência com que trata os opositores, em um clima de intensa opressão.
- O povo venezuelano não se calará se o revogatório atrasar para atender aos interesses do governo. Não se calará porque é a única válvula de escape para o sofrimento que estão enfrentando - disse Márquez. - Os prazos regulamentares dão perfeitamente para que o referendo revogatório se realize em outubro deste ano. Esperamos o respeito à Constituição e a responsabilidade histórica de permitir que esta crise tenha uma transição pacífica.
Se o referendo ocorrer em 2016 e Maduro perder, serão convocadas novas eleições, mas se acontecer em 2017 o presidente dará lugar ao vice-presidente. Atualmente, o vice-presidente é Aristóbulo Isturiz, do mesmo partido "chavista". Na Venezuela, porém, o vice é indicado pelo presidente a qualquer momento. Cogita-se que Maduro tentará emplacar a própria mulher, Cilia Flores.
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Enquanto isso, a Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou, na quarta-feira, uma declaração em apoio ao diálogo entre o governo e a oposição na Venezuela, um dia depois de o secretário-geral da entidade invocar a Carta Democrática Interamericana. Depois de uma maratônica sessão extraordinária do Conselho Permanente em Washington, os 34 países-membros da OEA chegaram a um texto que pede o "diálogo aberto" e outras iniciativas que conduzam "de maneira oportuna, imediata e efetiva à solução das diferenças e à consolidação da democracia representativa" no país sul-americano.
Os países-membros também apoiaram a iniciativa de mediação liderada pelos ex-mandatários de Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero; República Dominicana, Leonel Fernández; e Panamá, Martín Torrijos, visando "encontrar alternativas para favorecer a estabilidade política, o desenvolvimento social e a recuperação econômica" da Venezuela.
Na reunião, iniciada com mais de duas horas de atraso, os países debateram um projeto de declaração apresentado pela Argentina, e outro, pela Venezuela.
Finalmente, houve consenso em torno da proposta argentina, após algumas modificações a pedido da delegação da Venezuela, que conseguiu incluir uma menção sobre o "pleno respeito à soberania" da Venezuela.
O presidente do Conselho Permanente, o embaixador argentino Juan José Arcuri, declarou o "consenso" dos países, mas o Paraguai não concordou ou rejeitou o texto.
O Paraguai pediu ao Uruguai que convoque uma reunião de chanceleres do Mercosul para analisar a situação da Venezuela.
A reunião da OEA foi convocada na véspera pela Argentina com o objetivo de "identificar, de comum acordo, algum curso de ação que auxilie a busca de soluções" na Venezuela, "mediante um diálogo aberto e inclusivo entre as autoridades e todos os atores políticos e sociais desta nação para preservar a paz e a segurança no país".
Semelhanças e diferençasMais cedo em Buenos Aires, a chanceler argentina, Susana Malcorra, afirmou que seu país prioriza o diálogo entre os venezuelanos mais do que qualquer outro mecanismo.
"Não há como resolver o problema de um país, importando a solução de fora", declarou a ministra em entrevista coletiva.
Os projetos de Argentina e Venezuela convergiam em alguns pontos - especialmente em seu apoio conjunto à iniciativa de mediação liderada por Zapatero, Leonel Fernández e Martín Torrijos para um diálogo entre governo e oposição. Mas enquanto Caracas atribuia a si a iniciativa dos ex-presidentes "para garantir a paz e a soberania da Venezuela", o texto argentino pedia que o diálogo apontasse "alternativas para favorecer a estabilidade política, o desenvolvimento social e a recuperação econômica" no país.
Além disso, o texto venezuelano - apoiado por Nicarágua e Bolívia - ressaltava seu interesse em solicitar aos países o "pleno apoio à institucionalidade democrática e constitucional" do governo do presidente Nicolás Maduro e em rejeitar "qualquer tentativa de alteração da ordem constitucional venezuelana".
- O ponto central da nossa proposta é que, se quiser apoiar a Venezuela, a primeira coisa que se deve fazer é apoiar seu governo legítimo, legal e constitucional - ponderou o embaixador venezuelano, Bernardo Álvarez.
- Não importa quem vier propiciar o diálogo, o importante é que aconteça - disse o representante de Guatemala, Luis Raúl Estévez.
Lógicas distintasA reunião extraordinária do Conselho Permanente acontece um dia depois de o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, pedir uma "sessão urgente" deste órgão político da entidade regional para discutir a crise "institucional" da Venezuela, invocando a Carta Democrática Interamericana.
Em uma carta de 132 páginas ao Conselho, Almagro disse que a Venezuela sofre de uma "alteração da ordem constitucional" que afeta gravemente "a ordem democrática" nesto país.
Já a chanceler argentina afirmou que a Carta Democrática "não serve, necessariamente, para resolver a situação dos venezuelanos", embora "cubra um aspecto e será avaliada".
Almagro propôs fazer esta reunião entre 10 e 20 de junho, isto é, imediatamente antes ou depois da 46ª Assembleia Geral da OEA que a entidade realizará de 13 a 15 deste mês na República Dominicana.
O chefe do organismo continental não participou nesta quarta-feira da discussão das propostas de declaração de Argentina e Venezuela, porque "não tem a lógica na qual ele está posicionado", disse seu porta-voz Sergio Jellinek.
Em contrapartida, Almagro recebeu na sede da OEA, em Washington, o dirigente da oposição venezuelano Carlos Vecchio. A ausência do secretário-geral evidencia uma clara diferença de abordagem em relação à situação venezuelana entre Almagro e os países da OEA.
- Nós, os Estados, somos os donos dessa organização - rebateu o presidente do Conselho Permanente, o embaixador argentino Juan José Arcuri.
Também na quarta, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com sede em Washington, denunciou a declaração de estado de exceção e de emergência econômica decretada em meados de maio pelo presidente Maduro. A CIDH alega que, com isso, o Executivo ganha "poderes discrecionários".