Faz pouco mais de um ano, o corpo do procurador Alberto Nisman foi encontrado com um tiro na têmpora dentro do banheiro da sua casa em Puerto Madero. No dia seguinte, Nisman deveria mostrar no Congresso as provas que o levavam a denunciar a então presidente Cristina Kirchner por suposto acordo para acobertar a participação iraniana em atentado terrorista contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia). Na última terça-feira, o corpo do empresário Horacio Quiroga foi achado com uma pancada na cabeça dentro do banheiro da sua casa na Calle Callao. Quiroga foi a primeira pessoa a falar sobre a atuação do ex-sócio Lázaro Báez como testa de ferro do casal Kirchner, para quem teria lavado dinheiro em hotéis de lotação fictícia.
Esses são os casos mais recentes de uma longa lista argentina de mortes suspeitas ou de desdobramentos macabros na política. Em 1955, três anos após a morte de Evita Perón aos 33 anos, seu corpo desapareceu no meio da noite. Os militares haviam dado um golpe e não queriam que ela virasse símbolo de resistência popular. Os restos mortais de Evita perambularam mundo afora e só voltaram ao país em 1973.
Em 1987, criminosos arrombaram o túmulo do ex-presidente Juan Domingo Perón (1895-1974) e roubaram suas mãos. Parece realismo fantástico, mas não. Gabriel García Márquez e Dias Gomes não estão envolvidos. Entre Evita e Perón, Nisman e Quiroga, houve mais casos nebulosos.
Em 1995, Carlos Facundo Menem, filho do presidente Carlos Menem, morreu em um acidente de helicóptero. À estranheza do caso, somou-se o fato de que as testemunhas também morreram. Em 1997, foi a vez de a morte do fotógrafo José Luis Cabezas comover o país. Cabezas foi assassinado depois de retratar um empresário acusado de corrupção que preferia ficar às sombras. O nome dele era Alfredo Yabrán, amigo do ministro da Economia, Domingo Cavallo, e suspeito de envolvimento em casos de corrupção. O próprio Yabrán cometeu suicídio em maio de 1998. Em dezembro de 2011, morreu o economista Ivan Heyn, subsecretário de Comércio Exterior de Cristina. A causa da morte, durante uma cúpula do Mercosul em Montevidéu, foi "enforcamento acidental".
Houve ainda casos como o de Horacio Estrada, militar vinculado ao contrabando de armas no governo Menem, que estranhamente teria se suicidado com a bala entrando pelo lado direito do rosto – ele era canhoto. O empresario Marcelo Cattáneo foi outro que apareceu enforcado em uma construção abandonada e era responsabilizado por subornos envolvendo o Banco Nación, do governo.
Leia detalhes de quatro episódios:
Evita Perón
Evita Perón, mulher de Juan Domingo e "defensora dos descamisados", morreu de câncer quando o marido estava no segundo de seus três mandatos presidenciais, em 1952. Evita foi embalsamado pelo médico espanhol Pedro Ara. Por duas semanas, 2 milhões de fãs passaram pela câmara-ardente no seu velório. A comoção era tanta, que preocupou os responsáveis pelo golpe militar de 1955. Resultado: sequestraram o cadáver na sede da CGT (central sindical) e o fizeram desaparecer até 1971. O caixão foi levado em 1957 a um cemitério de Milão e enterrado sob o nome de María de Magistris. Os montoneros, guerrilheiros peronistas, sequestraram então, em 1970, o ex-ditador Pedro Aramburu (1955-1958), executado por ter se apropriado do cadáver de Evita. Hoje, o corpo dela jaz no cemitério da Recoleta.
Juan Domingo Perón
Em 17 de outubro de 2006, o corpo de Juan Domingo Perón foi levado a um sítio em San Vicente, província de Buenos Aires, para seu terceiro túmulo. A primeira vez que tiraram o corpo de Perón do lugar foi em 1976, quando estava na residência presidencial de Olivos. O ditador Jorge Videla, que liderara o golpe de março daquele ano, quis Perón à distância. Por anos, ele ficou no cemitério de Chacarita, em Buenos Aires. Em 1987, o túmulo foi arrombado. Roubaram o bastão de Perón e cortaram suas mãos. O corpo foi levado a San Vicente em um 17 de outubro porque esse é o Dia da Lealdade peronista, quando, em 1945, milhares de operários tomaram a Praça de Maio, em frente à Casa Rosada (sede do Governo), para reivindicar a libertação do líder, que era secretário do Trabalho e havia sido destituído e detido.
Carlos Facundo Menem
Em 1995, o helicóptero em que viajava o filho do presidente Carlos Menem, Carlos Facundo Menem, caiu, e ele morreu. Até hoje a mãe de Carlitos, Zulema Yoma, diz que foi homicídio. Menem demorou para corroborar a tese, mas tem atribuído a morte ao grupo Hezbollah. Zulema discorda. Narcotráfico seria um dos possíveis motivos. Testemunhas como Lorenzo Siri e Miguel Lucow morreram. Siri foi atropelado. Lucow, alvejado. O matador de Lucow, Angel Antakle, morreu dois dias depois. Em 2003, foi a vez da deputada Martha Meza, mãe de um filho extraconjugal de Menem, que morreu após ingerir raticida. Também em 2003, morreu Lourdes Di Natale, secretária do cunhado de Menem, Emir Yoma, irmão de Zulema. Lourdes apareceu morta em aparente suicídio. Ela denunciara Emir e Menem por corrupção.
Alberto Nisman
O caso do procurador Alberto Nisman, que acusava Cristina Kirchner de encobrir iranianos em troca de benefícios comerciais, deixou de ser tratado como suicídio e já é caracterizado como homicídio. O primeiro impulso de Cristina foi sustentar a tese do suicídio, ainda que tudo estivesse por ser apurado e que a arma calibre 22 fumegasse ao lado do corpo. Depois, alegou que poderia se tratar de armação para incriminá-la. O procurador é considerado a 115ª vítima do terror – foram 29 vítimas na embaixada de Israel, em 1992, e 85 na Amia, em 1994. Aos 51 anos, não estava deprimido e vivia o auge profissional. Mais: não deixou carta de despedida, mas sim uma lista de compras no supermercado. Não havia pólvora em suas mãos. A porta de serviço do apartamento estava destrancada. E recebera ameaças de morte.