Escrevi no domingo que os empresários estão vendo a banda passar, alheios às decisões políticas que os afetam, e de novo recebi e-mails que me enquadram como anticapitalista e comunista. Não sou anticapitalista e nunca fui e nunca serei comunista, porque não tenho mais idade nem preparo físico.
Ser comunista, disse Picasso, exige muito mais do que ser fascista. O fascista não precisa pensar muito e não tem nenhum compromisso com a reflexão mais complexa. Com a internet, menos ainda.
Mas convivi com alguns colegas comunistas. O grande João Aveline foi o jornalista mais comunista que conheci. Trabalhou aqui na Zero até depois dos 70 anos. Vinha à minha mesa na Editoria de Economia e fazia sempre a mesma provocação: e aí, seu liberal de meia-tigela.
Pois em 1988, como jornalista de Economia, entrevistei um jovem de 37 anos que começava a brilhar no Estado. Comandava as redes de lojas Modacasa e Eletro Shop. Entrevistei José Galló durante quase uma hora, na loja da Ipiranga, quando não havia quase mais nada por perto. Lembro do que ele me disse ao final: nunca concedi uma entrevista tão longa.
Naquele tempo, o comércio não abria aos domingos. Galló desafiou os sindicatos e abriu a Eletro Shop de Canoas num domingo. Na entrevista, ele defende a competição sem proteções e subsídios, exalta o lucro e diz: um dia, o comércio funcionará aos domingos.
Executivo há mais de duas décadas, Galló é o presidente das Lojas Renner. Virou a estrela do varejo aqui e no Exterior. Remoçou a marca e modernizou ambientes e processos das 264 lojas. É referência mundial de ousadia e criatividade. A Renner cresce na crise.
Pois, na segunda-feira, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma entrevista com ele, que passo a usar como recibo contra os que me acusam de comunista. Galló diz que os líderes empresariais brasileiros, distantes do que se passa em Brasília, devem ser protagonistas e ajudar a destravar a economia. A crise é mais política do que econômica, diz Galló.
Naquele 1988, quando o entrevistei, o Brasil quebrado pediu um papagaio de US$ 1,5 bilhão ao FMI. A inflação foi de 1.037,56%. Mas não havia o que enfrentamos hoje - o brutal poder de destruição do que há de pior na política brasileira.
A frase é de Galló: "Essa luta irresponsável está prejudicando o Brasil". Ah, se tivéssemos menos chorões e mais capitalistas da estirpe de José Galló.