* Texto publicado em ZH no espaço do colunista David Coimbra, que está em licença-médica.
Até por fidelidade ao meu ofício, me alinho à tese dos que defendem a escrita como a maior invenção humana de todos os tempos. Mesmo agora que estamos fechando o chamado Parêntese de Gutenberg – teoria do professor dinamarquês Thomas Pettitt –, com a substituição do papel pelas plataformas digitais e os estertores da era do impresso, as letrinhas continuam sendo o principal instrumento de comunicação, transmissão de conhecimento, registro da História e difusão de ideias. Por enquanto, ainda resistem bravamente aos emojis das conversas virtuais.
O tema da primazia das invenções é dos mais controversos. Tem gente que considera mais importante o avião, que encurtou distâncias; a penicilina, que salva vidas; a internet, que revolucionou o acesso à informação; e até mesmo o vaso sanitário, por sua contribuição para o saneamento. São pontos de vista respeitáveis. É provável que belicistas como Putin achem que a pólvora é a maior invenção – o que já não considero uma visão merecedora de respeito, mas não vamos derivar para outra polêmica.
Fiquemos nas coisas construtivas. Para ajudar nesse debate que divide especialistas e leigos, a consultoria britânica Tedesco Mobile resolveu fazer uma pesquisa sobre as 100 maiores invenções de todos os tempos, a fim de estabelecer um ranking de importância. Desconheço o universo consultado, mas o resultado não deixa de ser curioso e emblemático. Entre o computador, a lâmpada, o motor à combustão e outras maravilhas da eletrônica e da tecnologia, o invento mais votado foi um objeto criado há cerca de cinco mil anos: a rudimentar e ainda insubstituível roda.
No momento em que Porto Alegre crava a sua bandeira imperial no admirável mundo novo da tecnologia, com a realização da South Summit, sempre é bom lembrar que as criações humanas mais exitosas são aquelas inspiradas pela simplicidade e pela utilidade. Pelo que pude acompanhar até agora do evento no Cais do Porto, muitos jovens inovadores parecem compartilhar dessa visão quando oferecem soluções factíveis para problemas relacionados ao ambiente, à saúde e à segurança.
Apesar da conotação pejorativa da expressão, é preciso, sim, reinventar a roda, de modo que as inovações – analógicas ou digitais – efetivamente beneficiem as pessoas e tornem mais confortável e saudável a vida no planeta. Criatividade não nos falta. Desde que aquele anônimo ancestral cortou um tronco de árvore em rodelas para transportar coisas pesadas, ficou evidente que o cérebro humano carrega uma faísca transformadora capaz de grandes realizações.
Mas não me rendo assim fácil: ainda desconfio de que, antes do criador da roda partir para a ação, algum outro troglodita mais intelectualizado possa ter rabiscado o projeto na parede da caverna.