Atualmente tenho duas – a que me deu a vida, agora com os seus 96 anos bem vividos, e sua irmã de 101, que a abrigou em sua casa para compartilharem próximas a dupla viuvez. As duas moram juntas, almoçam juntas e rezam juntas para todos os santos e por todos os pecadores da família. Temo que vá precisar de toda a eternidade e mais algum acréscimo para pagar-lhes os terços de que sou devedor.
Elas continuam lúcidas, ainda que já tenham passado para aquele plano muito particular de quem vislumbra o outro lado da vida e se distrai de coisas que ocorrem do lado de cá. Outro dia apareci mascarado para visitá-las e minha mãe de sangue, dona Terezinha, perguntou:
- É por causa da poeira?
Expliquei-lhe a situação e aproveitei para gravar um vídeo com ela, sugerindo que mandasse uma mensagem de quarentena para os filhos e netos, com a recomendação de que fiquem em casa. Ela olhou para o celular que eu apontava na sua direção e falou:
- Estou com saudades de vocês. Venham me visitar! Ainda estou viva.
Fazer o quê? É por ela e por minha tia Izabel que rompo o meu isolamento pelo menos uma vez por semana para bater ponto na casa em que vivem, cercadas dos cuidados de minhas primas e de outras mulheres que nos auxiliam neste mutirão de carinhos recíprocos. São mães cuidando de mães – e eu me sinto abençoado por testemunhar esta celebração simbólica da mais sublime de todas as aptidões humanas que é a faculdade de gerar novas vidas.