Depois do pesadelo, a gente libera todo esse medo aprisionado, essas dores reais e imaginárias, a ansiedade acumulada e a palavra sufocada pela incerteza diante do inimigo invisível.
Depois da tempestade, a gente sai para a calçada, reocupa a arquibancada, reza de mãos dadas, volta a ser criança e canta em coro o cântico da vida, o hino da amizade, a canção do alívio e da esperança.
Depois do tsunami, a gente dança de rosto colado, pega uma praia no feriado, sobe a Serra, revolve a terra, planta o verde do futuro e pula o muro da cautela para brincar de roda com a aventura.
Depois da vigília, a gente volta a ser família, dá carinho aos filhos, afofa os netos, festeja o aniversário da tia, celebra a formatura do sobrinho, compensa com ternura a carência dos sentimentos represados.
Depois da guerra, a gente sai da trincheira, desfralda a bandeira da pacificação, aperta a mão do combatente que lutou na linha de frente, o médico, o cientista, a enfermeira, a cuidadora, toda essa gente valente que nos deu proteção.
Depois dessa provação, a gente retoma os movimentos da existência, com coragem e coerência, com o discernimento e a certeza exponencial de que não somos mais do que um grão de sal no plano infinito da natureza.
Depois da calamidade, a gente valoriza ainda mais a solidariedade, a nossa própria capacidade de resistência, de paciência, de sobrevivência, a crença na ciência e na persistência de quem busca a verdade.
Depois do isolamento, a gente solta todos os abraços guardados, todos os afagos interrompidos, todos os beijos engolidos pela angústia de depositá-los na pele amada dos nossos afetos irreversíveis.
Depois dessa pausa pela vida, a gente deleta as palavras mais doloridas – a desconfiança, o preconceito, a xenofobia, a desesperança – e retoma com redobrada coragem o roteiro desta viagem em que somos autores e personagens.
Depois da aflição, a gente recupera a razão e a compreensão de que tudo passa, a noite sempre segue o dia, como a desgraça e a alegria neste mundo de contrastes; conforme o Eclesiastes, acreditar é preciso: há um tempo para o pranto e outro igual para o riso.