Dois velhos de bronze conversam num banco da praça-biblioteca. Aproximo-me furtivamente e apuro os ouvidos. O que está em pé, alto, magro, com um livro nas mãos, comenta:
— A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede.
O que está sentado, pernas cruzadas, braço direito estendido sobre o encosto do banco de madeira, observa:
— Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês.
Em contraponto, o outro filosofa:
— O pássaro é livre na prisão do ar. O espírito é livre na prisão do corpo.
Começa a juntar gente. O velhinho sentado ironiza:
— Todos esses que aí estão, atravancando meu caminho, eles passarão... eu passarinho!
Como uma palavra puxa a outra, vem o troco:
— No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho.
A deixa é aproveitada, como numa trova de repentistas:
— Hoje me acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá. Solta. Sozinha. Quem repara nela? Só eu, que nunca fui lá.
Se o assunto é rua, o mineiro tem as suas:
— Ruas feitas de paredão. O paredão é a própria rua, onde passar ou não passar é a mesma forma de prisão.
A referência toca no mapa afetivo do gaúcho:
— Sinto uma dor infinita das ruas de Porto Alegre onde jamais passarei...
Vem um consolo com ironia:
— O melhor remédio contra a saudade é a falta de memória.
Não para o inspirado alegretense:
— Essas duas tresloucadas, a Saudade e a Esperança, vivem ambas na casa do Presente, quando deviam estar, é lógico, uma na casa do Passado e a outra na do Futuro. Quanto ao Presente — ah! — esse nunca está em casa.
Agora é a vez de o visitante manifestar sua nostalgia:
— Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa.
Se pudesse realmente movimentar seus pés de bronze, ele voltaria também com um dever de casa, recomendado pelo amigo de versos:
— A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são 6 horas. Quando se vê, já é sexta-feira. Quando se vê, passaram 60 anos.
Quando se vê, a Feira do Livro explode em flores, Drummonds e Quintanas no coração de Porto Alegre.