Se você não acha a mínima graça em ver 22 homens correndo atrás de uma bola – para, ao final dos 90 minutos, deixá-la de lado, como ironizava a antiga anedota –, veja a Copa do Mundo como um fenômeno social. Mas não ignore nem despreze esse espetáculo que começa amanhã e que atrai para a Rússia as atenções da maior parte da humanidade. Minha profissão me proporcionou a oportunidade de estar presente em quatro edições de Mundiais e posso garantir, como testemunha ocular da História, que nada se compara em emoção, alegria e congraçamento entre diferentes povos do planeta. Também aprecio e reconheço a importância dos Jogos Olímpicos, mas o futebol é sempre mais apaixonante.
O mundo da Fifa tem mais países do que o total contabilizado pela ONU, pois integrantes de unidades políticas como o Reino Unido competem separadamente no futebol. Isso explica por que as 32 seleções participantes da 21ª edição da Copa do Mundo, que começa nesta quinta-feira, classificaram-se em uma fase preliminar com nada menos do que 205 equipes, enquanto os países independentes reconhecidos pelas Nações Unidas não passam de 193, incluídas aí as pátrias dos senhores Trump e Kim Jong-un, praticantes do belicismo nuclear.
Prefiro, milhões de vezes, a disputa pela bola e pela glória efêmera do título de melhor equipe do planeta. O futebol é um jogo de suor, talento, transparência – cada vez mais, com as câmeras que flagram até as piscadas dos atletas – e habilidade. O mais fraco pode driblar o mais forte, o baixinho pode superar o gigante, a zebra pode chegar à frente do mais veloz puro-sangue, tudo sob o olhar fiscalizador de multidões que torcem como se estivessem participando da disputa. Nem sempre ganha o melhor, é verdade, mas, sim, os contemplados pelos misteriosos desígnios dos deuses da bola, e aí está o toque de magia que dá mais encanto a esse jogo.
Claro que uma Copa do Mundo, como qualquer evento que envolve valores econômicos estratosféricos e interesses políticos, também tem deformações. Por isso, mesmo no prazeroso papel de torcedores apaixonados, não podemos abandonar a nossa condição de cidadãos. Só não dá para torcer contra preventivamente, como se a Seleção representasse os maus governantes, e não o país. Esta é a hora em que um pouco de patriotismo não faz mal a ninguém. Sem exagero. Não é só futebol, mas é futebol.
E futebol – sabem-no todos os humanos que já chutaram uma bola – não se joga com os pés. Joga-se com o coração.
***
Meu patriotismo futebolístico inclui a tradicional secadinha na estropiada Argentina, mas sem deixar de reconhecer que o melhor jogador da atualidade – data venia minha origem portuguesa – ainda é aquele baixinho imarcável do Barcelona. Quero aqui fazer outro reconhecimento aos argentinos: o comercial lançado pelo canal de TV TyCSports, provocando o presidente Vladimir Putin por suas posições homofóbicas, é simplesmente genial. Um verdadeiro gol de Messi. O despertar da criatividade é também um dos efeitos colaterais de uma Copa do Mundo.