Assisti dia desses ao filme de animação que venceu o Oscar na sua categoria e que aborda, de forma sensível e inteligente, um tema dos mais delicados para a espécie humana: a morte física. Coco, no original da Disney/Pixar, ou Viva - A Vida é Uma Festa, na versão brasileira, diverte e emociona adultos e crianças, apesar da temática aparentemente pesada. Além disso, passa mensagens edificantes e instigantes, entre as quais a de que uma pessoa só morre de verdade quando deixa de ser lembrada pelo último dos seus parentes, amigos ou conhecidos.
Sem adentrar no terreno sempre pantanoso das religiões e da imortalidade do espírito, me parece que a crendice mexicana faz algum sentido na vida real. Quando ninguém mais lembrar que você existiu, você deixa realmente de existir - como memória, como alma penada, como anjo da guarda ou seja lá o que for. Os mexicanos cultuam obstinadamente seus falecidos - com altares, imagens e, às vezes, até as próprias ossadas - porque acreditam que os finados voltam para visitar os vivos no Dia dos Mortos.
Por aqui também reverenciamos a data, mas não chegamos a tanto. Porém, transpondo para a nossa realidade, sempre sinto um certo desconforto quando leio um edital de cemitério avisando que alguns hóspedes involuntários serão despejados de suas sepulturas se os responsáveis não comparecerem à administração no prazo determinado. Fico com a impressão de que o translado para o ossário coletivo, que é como o novo endereço é chamado na linguagem cemiterial, equivale à desintegração cinematográfica dos esqueletos esquecidos.
Não deixa de ser, também, uma morte depois da morte.
Por isso, se você está ainda na sua primeira vida, procure lembrar os seus queridos que já se foram. Se não liga para velas e orações, conte uma história engraçada, recorde algo de bom que a criatura tenha feito, inclua o nome dela nas suas melhores lembranças de convívio pretérito. Quem sabe isso não a ajudará a manter-se ativa no enigmático mundo dos espectros?
Aproveite também essa primeira vida tão preciosa para abraçar os vivos. ver o filme e, se ainda não viu, para ver o filme. É bem legal. Procure ouvir com atenção a canção Remember Me, também contemplada com um Oscar. É inspirado nela que deixo o recado final desta crônica: se você lembrar de uma pessoa amada, ela viverá para sempre em algum lugar do seu coração.