De tanto ouvir comentários entusiasmados de minhas colegas de ofício, resolvi ler Elena Ferrante, a best-seller italiana que encanta multidões com a força, a sensibilidade e o talento de seus textos. Estou arrasado. Recém terminei o primeiro livro da chamada tetralogia napolitana e comecei a embalar no segundo, mas a minha sensação, neste estágio da leitura, é a de que todos os homens do planeta, desde o início dos tempos, são opressores, machistas, espancadores de mulheres e sem escrúpulos nos seus negócios e nas suas intimidades. Ok, a história da humanidade aponta para essa culpa original, da qual talvez nunca nos livraremos, mas precisa ficar batendo nessa tecla o tempo todo?
Antes que o fã-clube da escritora me crucifique, já vou dizendo que os livros são imperdíveis. A mulher – depois de ler A Amiga Genial não me restou qualquer dúvida de que se trata de uma mulher, ainda que exista uma controvérsia internacional sobre a verdadeira identidade do pseudônimo Ferrante – escreve com a habilidade de um encantador de serpentes. Mesmo os cérebros masculinos mais resistentes acabam capturados pelos diálogos inteligentes, pelas reflexões lúcidas e pelo estilo narrativo que contém uma surpresa em cada parágrafo.
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A maior de todas para mim, creio que pessoal e intransferível, foi a constatação de que a história vivida pelas meninas de Nápoles, na infância e no ambiente escolar, se assemelhava muito ao enredo do primeiro livro que li na infância, Coração, do italiano Edmundo de Amicis, meu presente de "melhor companheiro" na quinta série do Grupo Escolar Dr. Ferreira de Abreu. Naqueles tempos remotos, o Rotary Club promovia uma eleição nas escolas e, apesar da minha timidez estratosférica, ou talvez por causa dela, até as meninas votaram em mim. Bom, o que interessa é que ganhei o livro de presente e fiz dele a minha leitura inesquecível. Nele, estão os mesmos sentimentos, preocupações, medos e desafios constatados em A Amiga Genial, só que contados sob a ótica masculina. Para comprovar a minha impressão, as próprias personagens de Ferrante também fazem uma referência à leitura de Coração.
São livros de épocas diferentes, que têm em comum a abordagem das virtudes e dos defeitos humanos – um com as tintas coloridas do romantismo, outro com o grafite implacável da realidade.