Tenho o maior orgulho de meus antepassados portugueses, que atravessaram o oceano em embarcações precárias para plantar em solo brasileiro a última flor do Lácio inculta e bela. Na recente Feira do Livro de Porto Alegre, até aproveitei a homenagem aos Açores para conhecer melhor a paisagem, os costumes e a literatura do arquipélago de origem dos casais que ajudaram a povoar nossa Capital. Saí do espaço açoriano com um romance do escritor Joel Neto, que nasceu na ilha Terceira, mais exatamente numa cidade com o inspirado nome de Angra do Heroísmo. Pelo que já andei pesquisando, alguns dos meus trisavós também vieram daquelas ilhas que têm mais vulcões por metro quadrado do que o planeta do Pequeno Príncipe.
Feito esse preâmbulo, sinto-me legitimado até mesmo para contar anedotas de portugueses, mas não vou fazê-lo, mesmo sabendo que alguns patrícios d'além-mar se divertem achincalhando os brasileiros. Vou comentar, isto sim, um fato real, que até poderia ser considerado anedota se não fossem seus efeitos práticos. Pois não é que os portugueses inventaram um imposto sobre o sol? Tem um nome técnico, trata-se da taxa sobre "localização e operacionalidade relativa de imóveis", que eleva a tributação sobre prédios e terrenos em função da luz do sol que recebem e de sua qualidade ambiental.
Os indicadores da tabela de valorização de imóveis implantados pelo governo lusitano contemplam também outros fatores, como a existência de elevador, ar-condicionado e garagem. Mas a novidade, que os portugueses já convencionaram chamar de "imposto do sol", equivale a 20% do total do Imposto Municipal sobre Imóveis, IMI para eles, mais ou menos o nosso IPTU.
Há compreensível revolta em relação ao novo tributo, tanto de parte dos proprietários quanto de agentes imobiliários. Ambos alegam a impossibilidade de uma cobrança justa que não leve em conta dias nublados, sombras de árvores e a variação de exposição solar em regiões diferentes. Um cidadão revoltado manifestou-se assim pelas redes sociais:
– Hoje nos cobram pelo sol, amanhã pelo ar que respiramos.
Considerando-se a penúria financeira dos governos lá e aqui, chega a ser arriscado fazer um comentário desses. Até mesmo porque, se pensarmos bem, alguns espertalhões já colocaram em prática a ideia por aqui, como se viu no recente episódio das falcatruas em contratos públicos do governo do Rio de Janeiro. Segundo os procuradores do MP, servidores corruptos cobravam dos corruptores a chamada "taxa de oxigênio", equivalente a 1% sobre o valor dos contratos. O nome, portanto, já temos.
E certamente somos mais imaginativos do que os portugueses quando se trata de criar eufemismos para as safadezas.