No ano passado, estive na Feira do Livro apenas uma vez, para abraçar um afilhado que o destino colocou no meu caminho. O menino era filho de um vizinho de rua e passou parte da infância frequentando minha casa. Na época, como eu ainda cursava Educação Física, tinha energia e imaginação sobrando para voltar à infância de vez em quando. Jogava futebol com o garoto, inventava brincadeiras e, com frequência, o levava para passear. Perdemo-nos por mais de duas décadas. Aí recebi o convite para o lançamento de uma coletânea de textos escritos por quatro profissionais da psicanálise. Meu afilhado era um dos autores. Quando o jovem psicoterapeuta me viu na fila de autógrafos, levantou-se, abraçou-me e disse:
– Na primeira vez que vim a esta feira, foste tu que me trouxeste.
Corta para a semana passada. Dei uma fugida do jornal, no meio da tarde, para acompanhar o colega Léo Gerchmann, que autografava mais uma de suas obras tricolores. Estava distraído, jogando conversa fora no espaço dos autógrafos, quando fui surpreendido pelo abraço carinhoso da doce Alice. A menina tem nove anos, é filha de dois colegas de ofício, a Ângela e o Sílvio, e também conheceu este tio barbudo nos breves momentos de recreação que inventamos em meio ao trabalho para distraí-la quando nos visitava. Um dia, já relatei numa de minhas crônicas, ela nos retribuiu tocando violino pela primeira vez em público, numa sessão de portas fechadas que jamais esqueceremos.
Por que conto duas histórias pessoais neste espaço nobre que me coube ocupar interinamente numa segunda-feira sombria de preocupações? Trump pode assumir o comando do botão nuclear amanhã, o Brasil continua entre a crise e a corrupção, e você me vem com historinhas infantis! – devem estar pensando as leitoras e os leitores menos pacientes. Ora, minha intenção é exatamente esta: fugir um pouco desses fatos brutais e compartilhar a magia que se repete todos os anos, tão perto de nós, a nossa Feira do Livro, com sua capacidade de transformar realidade em momentos de pura felicidade. Saí de lá meditando: é preciso tão pouco para a gente se tornar inesquecível no coração de uma criança. Olhem, até me atrevo a literaturar...
Era um final de tarde agradável sob um céu azul pintado de azul, e a estátua de Mario Quintana parecia repetir o original, diante de um Drummond estupefato: "Ó céus de Porto Alegre, como farei para levar-vos para o Céu?". Havia música na praça, pétalas de jacarandás, cheiro de pipoca, gente sem pressa e livros a mancheias. De repente, o abraço fulminante de Alice rompe o encanto – e acrescenta mais encanto ainda àquele dia.
O país das maravilhas, acreditem, pode ser aqui.