Aprendi a ler na falecida revista O Cruzeiro, quando tinha seis anos de idade. Naquela época, não havia escola para crianças dessa idade, mas era tão grande a minha vontade de ler os gibis manuseados por meus irmãos mais velhos, que acabei juntando as letrinhas por conta própria. Pois naquela publicação histórica, que chegou a alcançar a estratosférica tiragem de 750 mil exemplares na cobertura do suicídio de Getúlio Vargas, nasceu o Amigo da Onça, personagem do cartunista pernambucano Péricles, mais tarde redesenhado por Carlos Estevão e agora ressuscitado no tumultuado ambiente político de Brasília e do Brasil. O senador delator chamou o ministro desafeto de “amigo da onça”.
Quem era o Amigo da Onça? Era uma figura simpática, de olhos arregalados e nariz vermelho, sempre de gravatinha borboleta e sempre disposto a fazer uma sacanagem com alguém. O nome vem de uma anedota da época, em que dois caçadores desenvolvem o seguinte diálogo:
– Se você estivesse na selva e aparecesse uma onça?
– Eu dava um tiro nela.
– Mas se você estivesse sem arma de fogo?
– Eu usava o meu facão.
– E se estivesse sem facão?
– Pegava um pedaço de pau.
– Se não tivesse um pedaço de pau por perto?
– Eu subia numa árvore.
– E se não existisse árvore?
– Eu correria.
– E se você estivesse paralisado pelo medo?
Aí, o outro, irritado, questionou:
– Afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?
Saudosos tempos aqueles das anedotas ingênuas e das brincadeiras inconsequentes do Amigo da Onça, que ganhou vida própria no folclore popular e se transformou em sinônimo de pequenas traições. Hoje, os amigos da onça se tornaram extremamente danosos, utilizam gravadores escondidos e não hesitam em lançar seus interlocutores à execração pública.
A própria onça talvez seja menos perigosa.