Acostumada em tempos recentes a um título atrás do outro, a torcida do Flamengo está vivendo cenas inimagináveis para quem, menos de meio ano atrás, comemorava em sequência a conquista da Copa do Brasil e da Libertadores. O que vale para a massa rubro-negra vale também para qualquer outro gigante. Grêmio e Inter já viveram, com uma ou outra diferença, momento parecido. É quando o elenco muito vitorioso fica, por conta das faixas no peito e das taças no armário, muito poderoso e se sente intocável.
O Inter que ganhou Sul-Americana, Libertadores e Recopa e o Grêmio campeão de Copa do Brasil e Libertadores viram seus grupos de jogadores assumindo o poder correspondente a tanto sucesso e tiveram dificuldade para renovar peças e lideranças. O Flamengo, na escala de ser o clube mais rico do país ao lado do Palmeiras, se atrapalha pelas razões parecidas com as da dupla Gre-Nal. Arrogância, soberba, perda de foco.
No caso atual, a prepotente direção flamenguista está tentando outra vez meter a mão com jogadores consagrados, mas não tem coragem de fazê-lo diretamente. Então, a peso de ouro, contrata treinador estrangeiro para cumprir a espinhosa tarefa. Tentou com Paulo Souza e o Flamengo em campo foi desastroso. Para evitar o pior, a direção capitulou e trouxe Dorival Júnior, que reconciliou o elenco, conectou-se a ele e ganhou dois títulos.
Pelo jeito, Rodolfo Landim e Marcos Braz não desistiram de oxigenar o grupo. Em um equívoco estratégico colossal, demitiram o treinador campeão e voltaram ao fascínio do estrangeiro pelo estrangeiro. Contrataram Vítor Pereira, um treinador de ética discutível e superestimado, cujo defeito maior é não saber lidar com gente. O perfil atendia ao objetivo dos dirigentes, já que outra vez Landim e Braz estavam dispostos, ainda que sem coragem, a renovar o elenco e começar a substituição dos líderes e protagonistas dos maiores títulos.
Em um processo medíocre de repetição, estão vendo a mesma cena vivida pelo português anterior. O estranhamento dos jogadores campeões diante de um gestor que chegou para ser glacial no tratamento com os atletas gerou uma desconexão completa. Antes da metade do terceiro mês do ano, o Flamengo perdeu todos os títulos que disputou desde o início de 2023, incluindo o simbólico da Taça Guanabara na quarta-feira (8) ao perder de virada para o Fluminense de Fernando Diniz.
A torcida do Flamengo bufa, os influenciadores identificados se dividem entre apoio irrestrito ao péssimo trabalho de Vítor Pereira e condenação absoluta a tudo o que o treinador propõe. Embora prepotente, a direção do atual campeão da Libertadores age com enorme covardia nas relações com os profissionais do clube. Não os confronta diretamente, não estabelece com clareza novos padrões. Seu subterfúgio é contratar alguém que chega para fazer o que Landim e Braz não têm peito de fazer. O resultado no campo está sendo horroroso. Conquistar o título carioca não vai salvar o início de ano de tantos fracassos.
Respeito muito a figura do dirigente. Sem ele, não haveria futebol. Gosto da ideia de que seja remunerado, porque aí sim se pode cobrar dele que atue com profissionalismo. O presidente deveria ter salário, não só os executivos. Landim e Braz, que se atrapalham pela soberba, foram competentes para montar um elenco talentoso e mantê-lo há tanto tempo. Se hoje erram no atacado e no varejo, já tiveram muitos acertos.
O problema é o poder absoluto que passaram a ter diante de tanto sucesso recente. Estão contaminados pelo mesmo mal que parecem identificar no grupo de jogadores. O Flamengo milionário e multicampeão virou uma fábrica de prepotentes e vaidosos. Para sair desta cilada, só revendo processos e atitudes. Uma revisão geral que inclua a própria atuação do presidente e do vice de futebol é ponto de partida para a reversão deste quadro ruim. Sem isso, esquece.
No caso do Inter e do Grêmio pós-fastio de títulos, veio o pior. O inédito rebaixamento colorado em 2016, embora tenha como causa principal a gestão desastrosa de Vitório Piffero, começou a fincar raízes na prepotência de declarações do tipo "no dicionário do Inter não existe a palavra rebaixamento". A terceira queda do Grêmio, em 2021, iniciou na montanha de memes que dirigentes e jogadores faziam por vencer repetidamente o maior rival.
Não há o que resista a "um minuto de silêncio para o Inter que tá morto". O mal está lá. Quieto, sorrateiro e letal: a soberba. A prepotência. A perda de foco. O Inter até hoje paga pela administração incompetente — se não venal, já que está sob investigação fora da instância do clube — da gestão Piffero. O Grêmio deu com agilidade o primeiro passo para evitar um quarto e devastador rebaixamento ao fazer contratações em quantidade e qualidade. Pelos sinais de Alberto Guerra, parece ter aprendido com tudo de malfeito da gestão anterior de Romildo Bolzan.
Neste caso, só por soberba — não há sinais de gestão temerária ou desonesta. No esporte e na vida, é da natureza humana errar. O problema é quando se erram os mesmos erros. Significa que não houve aprendizado. Que a semente venenosa da soberba continua no solo só esperando o adubo que a faça reaparecer para causar os mesmos males. Para Grêmio, Inter, Flamengo e todo ser humano vivo, é preciso praticar um permanente estado de alerta.