Argentina estava conquistando a Copa do Mundo sem drama. Vencia por 2 a 0, com enorme superioridade, e aí então Mbappé chamou o jogo para empatá-lo de forma improvável. Veio a prorrogação e no último lance um reserva francês perde bola do título. O goleiro argentino defende com a perna. O mesmo Emiliano Martínez pega o primeiro pênalti da série.
Nos pênaltis, a Argentina foi campeã no seu modelo mais essencial. Dramática. Sanguínea. No limite da exaustão emocional. Messi, enfim, virou divindade. Entra, com seus dois gols na final e o pênalti convertido na série, para o panteão de Diego Armando Maradona. Na sua última Copa, no seu último tango, o argentino igualou a glória do totem anterior.
Messi representou a essência da nação como nunca antes. Comparar Messi e Maradona não faz mais sentido. Agora Buenos Aires espera em delírio seu novo totem, mas não só ele. Também De Paul, Di Maria, Alvarez, Enzo Fernandez, Mac Allister e outros menos votados. Quantas ressurreições em 120 minutos tiveram Argentina e França em Doha na final.
Em dois terços da partida, a Argentina foi muito melhor em todos os quesitos do futebol contemporâneo. A saída de Di María no início do segundo tempo, escolha pessoal bem-sucedida de Scaloni, diminuiu a Argentina. A coragem de Deschamps abrindo um 4-2-4 para buscar o empate teve em Mbappé um monstro.
Pecado que seu esforço não tenha rendido o título. Mas pense no pecado que seria Messi, autor de dois gols e grande atuação, encerrar sua última Copa como vice-campeão. Messi chorou, sorriu, suou, desarmou, cansou e, ao fim e ao cabo, sagrou-se campeão do mundo.
A decisão redimiu a Copa. A vice-campeã tem aplausos a ouvir. A campeã urra sua alegria. Jogadores cantaram os hinos da torcida. A conexão era evidente entre quem só torcia e quem suava em bicas. Que vitória natural o quê, a Argentina é campeã do seu jeito. Por una cabeza.
Esqueça verdades absolutas
Ao longo de duas horas, todas as verdades absolutas caíram na decisão da Copa. No auge da sua superioridade, a Argentina chegou a 2 a 0 e ainda assim a rival, então campeã do mundo, não saiu do jogo e empatou. No que empata, quase vence. Pouco depois, seu 4-2-4 cedeu espaços para o terceiro gol argentino.
O esquema suicida francês fez seu time arrancar novo empate. Os pênaltis neutralizaram tudo o que se viu antes. E onde era preciso frieza e competência, como já acontecera antes contra a Holanda, a Argentina estabeleceu a justiça que resumiu toda a noite mágica de futebol no Catar.
Adeus aos rótulos
Sim, ainda há especialistas. Porém, os rótulos desandam. Tombam. O melhor jogador jovem da Copa foi eleito Enzo Fernández. Um inteiro-campista, se está expressão existisse.
Seu parceiro De Paul, como nominá-lo? Tchouaméni, o que é Tchouaméni? Qualidade, mais do que qualquer outra palavra, é o que conta é contará no futebol contemporâneo.
Novidade tática zero na Copa
O futebol ficou tão físico que a novidade tática está inviabilizada. A França, para tentar evitar o pior, foi a um 4-2-4. A Argentina, para tentar manter a vitória que alcançava, acrescentou marcadores, fez linhas próximas ao próprio gol, defendeu com todos atrás da linha da bola.
A melhor notícia é que toda competitividade que o futebol traz em 2022 não impede que o protagonista brilhe, salve, reverta, vire divindade. O futebol nunca prescindirá de protagonistas. Os piores treinadores detestam esta premissa. Os melhores se aproveitam dela para serem campeões.