Minha coluna do final de semana seria sobre Estevão, o meia que o Inter pode perder em dezembro pela imprevidência de não ter renovado seu contrato um ano antes do fim.
Ela não perde a atualidade, traz exemplos de outros jogadores feitos na base de outros clubes que tiveram sucesso no campo e depois viraram dinheiro na hora da venda para o Exterior. Porém, fui atropelado pela morte de um amigo de ofício e sacerdócio. Felipe Bortolanza, o editor, me abriu a possibilidade de trocar de pauta, é o que estou fazendo.
Esta coluna é uma homenagem a um dos grandes colunistas da história do jornalismo brasileiro: David Coimbra.
O título é o melhor resumo que encontrei para a figura humana do porto-alegrense orgulhoso do IAPI. A me inspirar, enquanto escrevo, escuto Paulinho da Viola, sua maior admiração no mundo do samba do qual ele gostava bastante.
Aliás, muito mais do que concordar ou discordar do David nos muitos programas de debate de que participei a seu lado em rádio e TV, meus melhores momentos com David Coimbra foram com microfone desligado ou longe da tela do computador.
Era quando falávamos, em meio às coberturas que fizemos juntos, sobre samba, mulher, Rio de Janeiro, existência e até futebol. Porque debater futebol fora do ar com David era colecionar pérolas, só algumas ele jogava ao ar. Das coisas da vida, sempre era melhor tratar com privacidade, se é possível ter privacidade numa mesa de bar.
Porém, a generosidade apontada no título sempre esteve norteando seu comportamento e suas palavras no profissional ou no pessoal. David era pródigo em elogios, não os fazia de graça para ser simpático e também não sonegava se visse merecimento.
Fui alvo de alguns feitos diretamente a mim. De outros, fiquei sabendo pela pessoa para quem David tinha me elogiado. Somos contemporâneos, faço 58 anos em junho, David recém chegara aos 60 até ser abatido pela morte que ele driblou por 10 anos desde a descoberta do câncer.
Podíamos falar sobre grandes questões da Humanidade, trocávamos soluções sobre fome, desigualdade social e democracia com a mesma naturalidade com que discutíamos as razões de Tex Willer para ter se casado com uma índia e depois virar chefe dos navajos sob o nome Águia da Noite.
Para quem não sabe, Tex Willer é o mais famoso personagem de revista em quadrinhos de faroeste que já existiu. Mas também nos deliciávamos a falar dos prazeres que o Rio oferece. Do Leme ao Pontal.
Sugeri no Sala de Redação desta sexta-feira e volto a fazê-lo agora, por escrito, em GZH. O patrono da Feira do Livro de 2022 precisa ser David Coimbra. Não sei se existe a figura do patrono póstumo, não interessa se havia ou não, basta criá-la, ninguém será maluco de se opor ao patronato de alguém tão apaixonado por livros. Do ler ao escrever.
Também vou torcer para que a RBS institua um prêmio literário que tenha o nome de David Coimbra. Do Céu, onde neste momento já nos olha com sorriso debochado e bondoso, David Coimbra ficará orgulhoso se as futuras homenagens tiverem a literatura como centro. Embora precoce sua partida, este meu amigo, com quem gostaria de ter convivido muito mais, certamente viveu com toda intensidade que o ser humano pode destinar à existência.
Sua morte me deixou com uma dívida eterna e impagável. Eu tinha perdido, durante a pandemia, uma aposta qualquer com ele. Eu teria que pagar uma série de chopes num bar qualquer que ele escolheria. Poderia ser em Porto Alegre, poderia ser no Leme. Não deu tempo de quitar o débito. Meus próximos chopes, até o fim dos meus dias, serão em homenagem a David Coimbra. É o mínimo que posso fazer. E não será suficiente.