O jogador de futebol profissional Joshua Cavallo, que atua no futebol australiano, gravou um vídeo declarando sua homossexualidade e abrindo um novo tempo do futebol profissional no mundo. Ao escrever a primeira frase deste texto, me dou conta do absurdo que é, na verdade, estarmos em 2021 discutindo as fontes de prazer do corpo alheio.
Porque, essencialmente, é do que se trata. As pessoas em sociedade se autorizando julgar o que é certo e o que é errado na sexualidade dos outros. O que é lícito ou ilícito para um gozo que não é seu, nem meu, é de outra pessoa que tem, por óbvio, o direito de viver a orientação que seu desejo sinaliza.
Continua sendo inacreditável — e, ao mesmo tempo, necessário — que o colunista precise escrever que cada ser humano tem direito de ser o que é nesta área tão essencial da existência, a sexualidade. O corpo é dele, o prazer é dele, o sentimento é dele e não dos outros. Há um sopro de alento com a tipificação criminal de homofobia, cada vez se vê menos espaço para piadas baseadas na sexualidade alheia, está proibido contratar ou demitir a partir da orientação sexual de alguém.
No esporte e no futebol, de modo particular, ainda existe um foco enorme de resistência à liberdade sexual dos integrantes destes mundos.
Na mesma semana em que Joshua decidiu bancar ser o que é, na mesma semana em que ele se desamarrou do que o agoniava, o vôlei profissional brasileiro viveu a triste cena de um jogador de seleção brasileira tecer em rede social condenação ao beijo gay do novo Super-Homem mostrado numa história em quadrinhos.
Foi apoiado por alguns personagens da política e do esporte que não surpreendem no ato preconceituoso. São mais do mesmo, fazem do preconceito um mantra.
O clube advertiu Maurício Souza, que se obrigou a uma parcial retratação escrita claramente a contragosto. A pressão dos patrocinadores do clube, dispostos a não verem sua marca atrelada a preconceito, levou à demissão do jogador. Ao mesmo tempo, desde o infeliz post de Maurício Souza, ele ganhou mais de 190 mil novos seguidores.
É o que nos explica como sociedade partida. Uma parcela preocupada em derrubar preconceitos para uma vida mais diversa e outra disposta a continuar exercendo o suposto direito de meter a mão na vida sexual do outro.
O vôlei brasileiro, no entanto, já convive com homossexuais assumidos, um deles atua na seleção brasileira. O futebol, não. Sobram nomes sussurrados de jogadores como sendo gays, contam-se histórias ricas em detalhes a respeito destes profissionais que teriam o desplante de viver sua sexualidade como gostam.
Até Joshua Cavallo, porém, nenhum deles tinha feito algo tão relevante e representativo. Nada que tivesse alcance mundial como desta vez. A partir do que disse o jogador, é possível que outros se sintam encorajados. Joshua anunciou no vídeo que teve apoio dos colegas de time, do treinador e da direção do seu clube.
Descreveu o enorme peso que tirou das costas ao tornar público algo que era direito seu que fosse privado. Afinal, trata-se da intimidade da sua vida pessoal. Para ir ao microfone e à câmera dizer o que disse, Joshua Cavallo sentiu necessidade de falar por si e por outros tantos profissionais do futebol que escondem um item importante de seu cotidiano.
O que certamente gera uma angústia diária de ser descoberto e pagar preço alto por um jeito de ser que não deveria pagar preço algum. Talvez demore para que outros jogadores sigam Joshua, talvez não. Tenho curiosidade sobre as consequências do que ele inaugurou.
Mais do que curioso com o que está por vir, fiquei feliz de ver um ser humano que joga futebol profissional exercendo o direito inalienável de ser como é sem que precise mais esconder do contexto que o cerca.