A indiana Nilima Bhat tem cerca de uma década de experiência como executiva de grandes empresas. Hoje, define-se como "missionária global", com propósito de formar líderes mais conscientes, ou Shakti – conceito da tradição iogue que significa equilíbrio entre valores masculinos e femininos. O livro "Liderança Shakti", com coautoria de Raj Sisodia, criador do movimento Capitalismo Consciente., virou um best-seller corporativo. Bhat esteve em Porto Alegre para o evento Chama, da Sonata Brasil e da unidade gaúcha do Capitalismo Consciente, no Teatro da Ospa, e conversou com a coluna.
Com sua extensa experiência no mundo corporativo, quando houve o despertar para o propósito?
Fiquei cerca de 10 anos no mundo corporativo com a ITC-Welcomgroup, uma grande rede de hotéis da Índia. Depois, estive na Philips, uma empresa internacional, e na ESPN Star, associação entre Disney e Newscorp. Com cerca de 32 anos, tive uma grande crise existencial, me senti vazia. Era muito bem-sucedida, mas sentia que não fazia a diferença. Foi quando tive de me perguntar se era isso que queria para o resto da minha vida. Comecei uma jornada de autoconhecimento e uma busca por significado e propósito. Cheguei à filosofia da ioga. Dois anos depois, meu marido foi diagnosticado com câncer. Então, começamos uma jornada de medicina holística e integrativa para que ele pudesse se recuperar. No processo, redefinimos completamente nossas vidas. Acabamos deixando nossas carreiras corporativas de tempo integral. Abrimos uma consultoria de liderança consciente chamada Roots & Wings e, nessa época, conhecemos o movimento Capitalismo Consciente, do professor Raj Sisodia.
O que existe em comum?
Estávamos fazendo o mesmo trabalho na Índia e nos conectamos com outras pessoas ao redor do mundo. O Brasil tem um movimento de capitalismo consciente muito ativo. Disse a Raj que precisávamos de um modelo de liderança consciente, um dos quatro princípios do Capitalismo Consciente, e a maioria dos modelos haviam sido feitos por homens ocidentais para homens do resto do mundo. Consciência é o gênio da Índia, o capitalismo é o gênio da América. O capitalismo consciente precisa trazer o melhor dos dois. Então, olhamos para nossa própria cultura, e o Shakti veio. Os negócios estavam prejudicando o planeta, sem sentido e sem propósito. Nem todos os funcionários estavam engajados, havia competição doentia e desgaste. As empresas certamente podem fazer melhor. Passamos grande parte da nossa vida profissional em organizações e certamente poderíamos ter uma vida mais gratificante no trabalho.
O que está no centro da série de crises que o mundo vive?
Explicamos no livro que é uma crise de dois níveis. Primeiro, de consciência. Somos inconscientes, por isso criamos problemas tão terríveis. Segundo (Albert) Einstein, o problema não pode ser resolvido no nível em que foi criado. Tem de subir para o próximo nível de consciência para resolver o problema. E há uma crise de liderança, porque o planeta era imaculado até que os humanos apareceram e começaram a mexer. Os líderes e os modelos falharam. É por isso que estamos lidando com diversas crises: ecológica, social, empresarial e política. A solução é formar líderes conscientes. Você não quer uma crise, mas se acontecer, é possível transformá-la em oportunidade, por mais difícil e doloroso que seja.
Por que você também fala em lideranças hipermasculinizadas?
Sim. Não quer dizer que os homens ou o masculino sejam errados. É sobre polaridade, como Yin-yang. São princípios duais, polaridades que precisam coexistir em equilíbrio. É como respirar. Se você tiver de escolher entre inalar ou exalar, vai morrer. O patriarcado dá aos homens e aos comportamentos masculinos mais poder do que às mulheres e aos valores femininos. O problema é desequilíbrio. Quando a sociedade cria um grupo dominante e outro subordinado, cria um problema.
Quais são as forças femininas e como podem ajudar a mudar o cenário?
Comportamentos femininos são compaixão, empatia, inclusão, criatividade, cuidado, compartilhamento e colaboração. Mesmo digo isso a líderes mulheres, seus queixos caem, e dizem que esquecerem esses valores. Quando chegam ao mundo dos negócios, são instruídas a matar a concorrência, a ter sucesso a todo custo e achar que alguém tem de perder para o outro ganhar. É uma competição doentia. A mulher é promovida se demonstra comportamentos masculinos. E a verdade é que, para ser um bom líder, é preciso se importar com o outro.
Como desenvolver essas qualidades em todos os líderes?
Não é ciência de foguete, é sabedoria antiga do mundo. Qualquer tradição psicoespiritual nos diz como nos tornarmos pessoas mais autoconscientes. Precisamos de consciência do momento presente. Em vez de tentar manipular o futuro ou ter vergonha e culpa sobre o passado, precisamos praticar como estar no presente. É chamado de presença. E qualquer bom meditador sabe como estar presente. É sobre seguir sua respiração, esvaziar a mente e relaxar o corpo. É preciso prática para ser capaz de cultivar presença, uma maneira de se afastar das respostas habituais de sobrevivência.
Essas teses encontram muitas resistências?
Sempre digo que, se suas estratégias estão funcionando, você não precisa da liderança Shakti. As pessoas vêm quando tentaram de tudo e ainda estão falhando. Até as pessoas mais bem-sucedidas vão chegar a um ponto de fracasso. Seu crescimento ocorre até que você estacione em um nível de inconsciência. E a única maneira de seguir em frente é se tornar mais consciente. As pessoas buscam a liderança Shakti quando estiverem prontas. Essa é a única maneira de superar a resistência. Somente as pessoas que precisam de nós e nos querem vão vir e fazer o trabalho.
Classificar características como "masculinas" ou "femininas" não reforça estereótipos de gênero?
Não. É por isso que dizemos masculino, feminino, não homem e mulher. Masculino e feminino não têm a ver com gênero. Tem a ver com orientação. Todos temos uma orientação para comportamentos masculinos ou femininos. Para ser um líder Shakti, você tem de se tornar uma pessoa inteira, independentemente do gênero.
Como vê esse movimento na Índia e no Brasil?
Se você vê o tipo de liderança dos dois países, normalmente é visto como mais masculino. A Índia teve Indira Gandhi, uma primeira-ministra indiana e a atual é mulher (Droupadi Murmu). Então, a Índia teve o patriarcado, como o resto do mundo. Por outro lado, nossas cultura, religião e filosofia estão próximas ao Shakti. Há templos de deusas e deuses em todos os lugares. No hinduísmo, deus é considerado uma personificação da qualidade e da capacidade humana. O feminino é reverenciado como energia que dá vida. Temos o divino como feminino em nossa cultura. Se não tem divindade em forma de feminino, as mulheres podem ser desvalorizadas em outras culturas. A única coisa que salva a Índia é que temos o Shakti (risos).
*Colaborou João Pedro Cecchini