Presidente da CâmaraLog - Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura e CEO do Grupo Intelog, Paulo Menzel conhece os 497 municípios do Rio Grande do Sul e todas as suas conexões. Há anos, vem advertindo para a necessidade de reforçar o investimento nessa área no Estado, diz que agora se sente como um "pregador no deserto". Considera um "chute" avaliar agora quais serão as necessidades de recursos apenas para reconstruir o que a enxurrada destruiu, mas lembra que só para ter rodovias adequadas ao nosso tempo o RS precisaria de R$ 50 bilhões. E em 2023, ano em que duplicou a média histórica, investiu R$ 1 bilhão. É daí que vem seu diagnóstico de que estamos com meio século de atraso em infraestrutura.
Qual é o tamanho do impacto da enxurrada na infraestrutura do Estado?
Nesse momento, precisamos de muita serenidade, então nem vou fazer a lamúria de que estamos 58 anos atrasados em infraestrutura no Estado. Precisamos tirar uma grande lição disso tudo. Ao menos, todos deveríamos aprender - se vamos ou não não se sabe - é o quão frágeis somos todos nós, seres humanos. Depois, que nossa infraestrutura e o sistema logístico que corre sobre ela são extremamente frágeis. Basta um volume de chuva fora do normal e estamos absolutamente sem energia, sem estradas, com aeroportos operando com dificuldade e preocupação com abastecimento de alimentos e gêneros de primeira necessidade.
Qual a situação das rodovias?
Neste momento, o único acesso da maior parte do RS a Porto Alegre por via rodoviária é via Pelotas. É preciso entender como as conexões funcionam. Dentro do Estado, a BR-386 é a rodovia do Estado em que mais circula a economia, tanto que é chamada de "Estrada da Produção". Todas as demais ligações rodoviárias passam por ela. Quando está interrompida, é preciso contornar todo o RS para ir de Porto Alegre ao Noroeste, por exemplo. Hoje, é preciso ir para Pelota e Canguçu, via Uruguaiana, para chegar às Missões, por exemplo. A Ouro e Prata e a Planalto, por exemplo, suspenderam todas as linhas no Estado, com exceção da ligação entre Porto Alegre e Santana do Livramento, e ainda assim com percurso diferente, que passa por Caçapava, Bagé, Dom Pedrito, antes ia por Rosário do Sul. Veja como o nosso sistema é frágil.
Não estamos fazendo o mínimo para amenizar a dor, a tristeza, a perda e a precaução em relação às próximas tempestades que virão.
O governador exagerou ao falar em "maior desastre da história do RS"?
Não, ao contrário, foi muito realista. Talvez tenha sido a primeira vez que foi tão realista. O que estamos fazendo agora para minimizar o problema de amanhã, de depois de amanhã? Não estamos fazendo o mínimo para amenizar a dor, a tristeza, a perda e a precaução em relação às próximas tempestades que virão. Ontem à noite (quarta-feira, 1º), ao pedir que as pessoas desocupem os vales, o governador deu o primeiro sinal do que é preciso fazer. Porque vai piorar. As duas pontes entre Estrela e Lajeado não haviam sido alagadas nos últimos 50 anos. E agora a água simplesmente passou por cima.
Ainda há problemas não resolvidos de setembro passado?
Muitos, não só os terrenos estavam mais vulneráveis como os três grandes rios que desembocam no Taquari estão assoreados. Jogaram terra e entulho para dentro dos rios, e agora com esse grande volume de água, o leito não absorve quase nada. Precisamos aprender a dar foco, nossas vidas dependem do sistema de infraestrutura, que envolve não só rodovias, mas energia, saneamento, aeroportos. Agora, nessa situação, depois de anos alertando para isso, me sinto pregando sozinho no deserto.
Antes da tragédia de setembro, o Estado precisava de algo em torno de R$ 50 bilhões só em investimentos em rodovias para se adequar às necessidades atuais.
É possível avaliar qual será a necessidade de recursos para reconstruir?
Fazer essa estimativa neste momento seria um chute. Não há precedentes, nem parâmetros. Mas para ter dimensão, antes da tragédia de setembro, o Estado precisava de algo em torno de R$ 50 bilhões só em investimentos em rodovias para se adequar às necessidades atuais. Estamos 58 anos atrasados em infraestrutura. No anos passado, o Estado investiu algo em torno de R$ 1 bilhão, e preciso reconhecer que dobramos o aporte em relação à média anterior. Houve um acréscimo de investimento, mas nada frente às necessidades. É pífio. Mas como eu disse, a hora é de serenidade, não de ficar procurando culpados. É hora de salvar vidas.
Como será preciso priorizar, qual rodovia precisaria ser recuperada antes?
A BR-386, exatamente pelo que significa em termos de conexões no Estado. E liberar as vias é a prioridade número 1, até para poder chegar com o socorro. A rodovia corta o Estado de Sul a Norte e ainda liga com a freeway e a BR-101. É a via com total foco. Todos vão correr dela ou correr pra ela para socorrer alguém. É uma via concedida, que bom, mas outros agentes podem ajudar.
Depois de liberar as vias, será preciso cuidar das redes de esgoto rompidas, dos sistemas de transmissão de energia derrubados, de tudo o que se refere à infraestrutura, que é muito abalada com esse tipo de evento.
E em sequência?
Depois de liberar as vias, será preciso cuidar das redes de esgoto rompidas, dos sistemas de transmissão de energia derrubados, de tudo o que se refere à infraestrutura, que é muito abalada com esse tipo de evento. Estou falando com as concessionárias de energia, que vão ter, novamente, de ir buscar equipes de outros Estados. Não há só postes caídos, há redes inteiras arrasadas. Por exemplo, a subestação de Nova Santa Rita teve de ser desligada porque foi inundada, de novo. O que aprendemos com a inundação de setembro? O que fizemos para que não inundasse de novo, e ainda mais do que da outra vez. Essa é a segunda grande. E vamos ter terceira, e a quarta. E aí? E volto à serenidade. Nestes momentos, é preciso ter grande cuidado com fake news. É preciso dar boas informações, corretas. Meu negócio tem nove regiões, e a primeira coisa que pedi foi para me informarem de problemas que viram, que sabem que é verdade. Com isso, ajudamos a salvar vidas.