O que se esperava para 2024 - a mudança da meta de déficit zero - veio antes com relação ao próximo ano. A confirmação de que o orçamento de 2025 já não terá superávit primário de 0,5% do PIB, na segunda-feira (15), fez o dólar subir e a bolsa marcar passo, mas projeta consequências de maior alcance.
Ao confirmar a medida, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que ainda haveria chance de gerar superávit no atual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Detalhe: seria em 2026, ano eleitoral, em que superávits só aparecem por milagre ou expurgo de despesas, como ocorreu em 2022 com a pedalada nos precatórios.
Como a meta fiscal tem margem de tolerância de 0,25% do PIB para cima ou para baixo, manter o déficit zero significa assumir a possibilidade de acumular quatro anos de mais rombos à já pesada dívida pública brasileira. Para lembrar: qualquer buraco vira dívida, porque quando se gasta mais do que se pode pagar, não há dinheiro para colher em árvore.
Ao apresentar os dados, técnicos do Planejamento e da Fazenda sustentaram que a trajetória da dívida não vai piorar. Em números, asseguraram que não passará dos temidos 80% do PIB. Um dos argumentos é o de que, além do objetivo de resultado primário (receita menos despesas, sem contar o pagamento da dívida), o novo arcabouço fiscal tem um mecanismo de controle de gastos. É um sopro sobre a mordida da mudança da meta.
Em entrevista à Globonews na manhã desta terça-feira (16), a ministra do Planejamento, Simone Tebet, pronunciou as palavras mágicas "corte de gastos". Não detalhou, mas empenhou o próprio currículo ao dizer que se este fosse um governo "irresponsável e gastador", não estaria no cargo.
Exemplificou com cortes já feitos no Proagra - lembrando que ela mesma é desse segmento. Não quis avançar muito sobre os próximos, mas citou o Seguro Defeso, benefício concedido a pescadores para que não atuem durante o período em que os peixes estão se procriando. Não falou em cifras, mas em números: enquanto o país tem 250 mil pescadores cadastrados, paga esse benefício a 800 mil pessoas. Se for mais do que um sopro, é um caminho que pode ajudar.
Mas além de pressionar dólar para cima - o que pode se traduzir em mais inflação caso se mantenha - e bolsa para baixo, a desidratação da política fiscal pode resultar em menos apetite por investimento. Na segunda-feira (15), o juro futuro subiu. Para as empresas, só a elevação desse preço de referência já representa maior custo de financiamento, porque é essa a taxa que referencia as operações de mais longo prazo. Justo quando se esperava uma reação nos investimentos, caso essa baliza de mercado se mantenha elevada pode comprometer novos projetos.
Do ponto de vista do cenário econômico, também há consequências indesejadas. Já havia percepção de que o corte no juro americano vai demorar mais para começar - tanto pela inflação mais alta nos Estados Unidos quanto pelo aumento da incerteza no Oriente Médio. Agora, aumenta o temor de que a política fiscal mais frouxa torne mais lenta a caminhada para o juro básico de um dígito.
E se a taxa Selic não cair como o esperado, não ajuda a desinflar a dívida, que tem boa parte de sua correção baseada no juro básico. Ou seja, não é boa notícia para ninguém, nem para o próprio governo. Haddad disso isso com todas as letras ao afirmar que resultados deficitários atrapalham o crescimento, em vez de ajudar. Na segunda-feira (15), quando já se sabia da mudança, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, advertiu:
— Sempre que há uma mudança que torna o rumo fiscal menos transparente, ou menos crível, significa que você tem de pagar com custos mais elevados do outro lado, então o custo de fazer política monetária fica mais alto.