Enfrentando a convalescença da terceira cirurgia na perna esquerda, o economista Marcos Lisboa quebrou uma tradição: foi o primeiro palestrante de bermuda do Fórum da Liberdade, realizado na semana passada. Depois do painel sobre os rumos da economia brasileira com o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco e a economista - e sua mulher - Zeina Latif, o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda deu uma entrevista exclusiva à coluna.
O Estado passa por um debate sobre benefícios fiscais. Por que você critica esse mecanismo?
As políticas de proteção a determinados setores são perigosas, porque, se fracassam - o que ocorre com muita frequência -, os governos ficam capturados por aquele grupo que depende do benefício. Em segundo lugar, essas políticas são muito mal desenhadas. Os dados reforçam essa característica, mas são esquisitas para todos. Há algumas que funcionam, como toda a tecnologia do agronegócio, da ciência da computação, da saúde da USP (Universidade de São Paulo). Há uma série de condições muito específicas para que essas políticas possam ser bem-sucedidas. É preciso que desenvolvam uma vantagem tecnológica e de gente em um determinado setor. Idealmente, tem de ser voltada para a exportação, para a concorrência. E precisa ter prazo para acabar. No Brasil, não se faz isso, com raras exceções. Os benefícios fiscais viram uma distribuição de benesses para empresários influentes. E as políticas são muito ineficientes, deixam todos mais pobres. Acabam subsidiando uma empresa ineficiente, que não consegue sobreviver sem o favor do Estado.
Como cortar subsídios sem gerar pressão inflacionária?
Não tem pressão inflacionária nenhuma. Só aumenta (os preços) uma vez. Algumas empresas vão ter dificuldades, outras não vão aguentar. Talvez outros competidores apareçam, talvez tenha de comprar de outros Estados. Talvez, em alguns casos, valha mais a pena importar. Mas a sociedade fica mais livre com o corte de benefícios.
Como retirar subsídios do setor primário sem dizimar essa cadeia?
A decisão é sair ou ficar na crise. Aí, é preciso tributar o combustível, pode tributar o setor primário, a qualidade cai. O Brasil se meteu numa armadilha com esse tipo de política. O país fez tecnicamente muito mal esse tipo de política. E, politicamente, o Brasil é um Estado capturado por esse tipo de patrimonialismo.
A alíquota tem de ser a mesma para todo mundo. Sabemos disso há 50 anos.
O que é mais eficiente, aumento de alíquota de ICMS ou corte de subsídios?
Corte de subsídios. O ideal é não ter diferença tributária entre setores. A alíquota tem de ser a mesma para todo mundo. Sabemos disso há 50 anos. O mundo migrou para esse tipo de imposto. Aqui no Brasil, a nova reforma é um avanço grande, porque nosso sistema é todo tecnicamente mal desenhado. Gera ineficiência, baixo crescimento, baixa produtividade. É uma tragédia. A reforma é melhor. Mas ficou boa? Não, porque tem distorções como ter definido alíquota menor para escritórios médicos, escritórios de advocacia que faturam R$ 20 milhões por mês.
Em tese, a reforma elimina a guerra fiscal por incentivo de ICMS. É uma melhora?
A reforma tributária vai demorar anos para ser implementada. Mas, sim, melhora a longo prazo. Um dos erros técnicos do sistema tributário atual é cobrar na origem, por tipos de produtos e em crédito produtivo, e não financeiro. Financeiro é bater nota fiscal com nota fiscal. Calcula o que vendeu, menos o que comprou, aplica uma só alíquota. É muito fácil, não dá problema. Mas nosso sistema não permite uma transição rápida.
Os gastos continuam aumentando. E o governo quer mais imposto, porque quer gastar mais.
O que preocupa na regulamentação da reforma tributária?
Está bem complicado, estou bem preocupado. Tem risco de piorar ainda mais. O problema são os detalhes das leis. Tem de regulamentar quem vai entrar no bonde do privilégio. Por isso, tem de ser uma alíquota só para todo mundo. O Estado brasileiro é permeável a fazer esse processo de forma pouco racional. A sociedade também é.
Precisamos de uma nova crise para fazer mais reformas?
Infelizmente, temos feito reformas durante crises. Agora, no curto prazo, o cenário está bom. O Brasil saiu bem da pandemia. Teve distribuição de recursos públicos fiscais, que é a causa do problema, no governo Bolsonaro. E a derrama de dinheiro público continuou no ano passado. Os gastos continuam aumentando. E o governo quer mais imposto, porque quer gastar mais.
Há chance de desvincular receitas e despesas, como no caso da saúde e educação?
O teto de gastos acabou com isso. O gasto era ajustado pela inflação. Isso foi uma das razões para o sucesso do teto de gastos. E agora voltou a vinculação. Vamos ter de aumentar muito mais a arrecadação para bancar esses gastos vinculados. É muito difícil desvincular, porque o teto do governo Temer virou um objeto maldito da política. O teto levou o Brasil a uma queda monumental de juro, ajudou a gente a sair da crise. E se olhar os números, a velocidade que a economia do país melhorou depois do teto, é impressionante. Então, agora, no curto prazo, a economia está crescendo, só que a conta vem depois.
*Colaborou João Pedro Cecchini