Em março, uma etapa importante de uma vitrine para a inovação gaúcha foi concluída: a via do "people moover" do aeroporto de Guarulhos, atualmente a maior porta de entrada de estrangeiros no Brasil. O que tem de gaúcho nisso? A tecnologia usada é a do aeromóvel, negligenciado por anos e ainda um tanto maltratado no Aeroporto Salgado Filho. Mas a versão que vai estrear ainda no primeiro semestre, conforme o CEO da Aerom Sistemas de Transporte, Marcus Coester, está totalmente atualizada tecnologicamente. E além da assinatura de uma das inovações gaúchas mais disruptivas - inventada pelo pai de Marcus, Oskar Coester -, leva a de várias empresas gaúchas, como Marcopolo, Randon, Metalwork e Pandroll.
Quando fica pronta a obra em Guarulhos?
A via está concluída. É feita em concreto, faz parte do sistema de propulsão. Em março, também foi feita a entrega do primeiro veículo, pela Marcopolo. É simbólico, porque o o veículo é o rosto do projeto. Vieram duas carretas de Caxias do Sul. São três, esse é o primeiro. Os próximos dois vêm na sequência, em intervalos de três semanas. Já estão em comissionamento (testes antes da operação), verificando abertura de portas, sistema de freio e tudo o que falta para funcionar.
E o que falta para funcionar?
Estamos na fase final, de integração dos subsistemas. São propulsores, ar comprimido, sensores. Estamos compromissados com a mais rigorosa norma europeia de segurança, a Cenelec (do original em francês Comité Européen de Normalisation Électrotechnique, ou Comitê Europeu de Normatização Eletrotécnica) nível SIL 4. Significa que a tolerância a falhas críticas é de uma a cada cem mil anos. É uma aplicação inédita no mundo para esse tipo de equipamento. A certificadora está no projeto desde o início, com equipes independentes: uma especifica, outra testa, outra valida. Esse rigor demanda estrutura e tempo maiores.
No primeiro semestre, já estará em funcionamento, mas a operação com passageiros começará gradualmente.
Quando deve começar a operar para o público?
No primeiro semestre já estará em funcionamento, mas a operação com passageiros começará de forma gradual, conforme a norma permitir. Começa com horários reduzidos e técnicos a bordo, em um trecho, depois vai fazendo trajetos mais completos. Terá quatro estações e duas funções: conectar o metrô ao aeroporto e os três terminais de Guarulhos.
Quem usar o people moover de Guarulhos vai mesmo andar de aeromóvel?
Sim, o aeromóvel é um princípio. Não tem motores a bordo. Move-se a partir de um compressor estacionário (espécie de grande ventilador). É parecido com um barco a vela. Esse compressor de ar empurra o vagão dentro do duto. A lógica é a radical redução de peso do veículo. Comparado a um ônibus convencional, gasta 80% menos energia por passageiro. Por isso, agora se encaixa na agenda de transição energética. E foi pensado nos anos 70. Agora, está em versão mais avançada. E a indústria gaúcha está muito representada nesse projeto. A Marcopolo fez a carroceria, a Randon, os trucks (parte de rodagem sobre os trilhos), a Metalwork, os sistemas de ar comprimido e a Pandroll, a fixação dos trilhos. E ainda temos parceiros globais, como a Siemens, que fez o sistema elétrico e de controle.
Levou 30 anos para se tornar comercial, mas isso foi o que ocorreu com o primeiro voo a jato e até com o carro elétrico. Surge a ideia, vai agregando tecnologias. No aeromóvel, aconteceu o mesmo.
É uma inovação gaúcha que demorou para se consolidar?
É resultado de bom sistema científico e boa engenharia. Traz eficiência. Era a filosofia do meu pai atuar racionalmente, por pesquisa, não por adivinhação. É um processo muito disruptivo que passou por desenvolvimento. Hoje tem mais tecnologia embarcada, melhorou absurdamente. Levou 30 anos para se tornar comercial, mas isso foi o que ocorreu com o primeiro voo a jato e até com o carro elétrico. Surge a ideia, vai agregando tecnologias. No aeromóvel, aconteceu o mesmo. Agregamos muitas tecnologias de outros segmentos.
Os leitores vão querer saber: se melhorou tanto, porque sempre "encrenca" no Salgado Filho?
Lá, o operador é a Trensurb, somos só os fornecedores. E há questões operacionais envolvidas. Também é um modelo que já tem 10 anos. Foi fundamental para chegar ao estágio de hoje. A norma de segurança que vamos adotar em Guarulhos não existia na época. Para comparar, a versão de Porto Alegre é analógica, em Guarulhos vamos para o 5G. É mais ou menos esse o salto tecnológico.
Os veículos de Jacarta são idênticos aos que existem no Gasômetro, em Porto Alegre. São o nosso "fusquinha", o superbásico.
Quem vai operar em Guarulhos?
O contrato do concessionário com a Aerom, uma empresa gaúcha líder do consórcio e proprietária da tecnologia, é para implantar e operar por 10 anos. Será um sistema gratuito, usado nas instalações do aeroporto como uma escada rolante ou um elevador.
Pode haver outras aplicações para o aeromóvel como people moover?
Hoje, quase todos os grandes aeroportos têm algum tipo de people moover, são cerca de 200 no mundo. Muitos são convencionais. O de Guarulhos é o segundo no mundo, o primeiro foi em Porto Alegre. Há ainda uma versão feita em 1989 em Jacarta (Indonésia), mas está entrando em fase de descomissionamento (desmontagem) ou modernização. Temos uma proposta para fazer a atualização, mas a administração ainda tem de definir. Foi muito importante como um teste de longo prazo. Os veículos de Jacarta são idênticos aos que existem no Gasômetro, em Porto Alegre. São o nosso "fusquinha", o superbásico.
A Aerom está tentando emplacar o sistema em outros países?
Estamos fazendo uma reestruturação de capital para a expansão internacional. Estamos avaliando propostas de como fazer essa expansão. A Aerom é a dona da tecnologia. Por exemplo, temos um projeto na Costa Rica, mas não temos um escritório de engenharia lá. Ainda não definimos nomes nem percentuais, mas estamos buscando sócios estratégicos. Existem ofertas de investidores já em análise, queremos definir ao longo do ano. O projeto de Guarulhos deu visibilidade extraordinária ao aeromóvel. Temos visitas quase toda a semana, tanto que é preciso cuidado para não perturbar o processo de implantação.
São Paulo despertou. Lá, seu Oskar não é uma lenda viva, mas o aeromóvel é uma solução para o futuro e para a descarbonização.
Chegou a hora do aeromóvel?
Espero que sim. É curioso como as relações são diferentes. Em Porto Alegre, as pessoas têm muito carinho pelo aeromóvel, seu Oskar é meio uma lenda. Em São Paulo, a abordagem é totalmente diferente, é uma novidade, uma disrupção. Já existe um projeto para estender a linha até o centro da cidade. Temos outro estudo em Campinas. Com a pressão da descarbonização, tecnologias como a do aeromóvel são valorizadas. Em São Paulo, o aeromóvel não é uma lenda, mas uma solução para o futuro e para a descarbonização.