O Fórum da Liberdade só começa formalmente na noite desta quinta-feira (5), mas o tradicional almoço que precede o evento teve como palestrante o ex-secretário do Tesouro e atual economista-chefe do banco BTG Pactual, Mansueto Almeida. Como a coluna já descreveu, ele conhece as manhas do mercado e os meandros do governo. Além disso, conhece a fundo a realidade do Rio Grande do Sul por ter se envolvido nas negociações para adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RFF). Em entrevista exclusiva à coluna, Mansueto disse que os Estados terão de fato de encarar um ajuste fiscal.
Por que todos os os governadores estão tentando reestruturar suas finanças?
Está ocorrendo um diálogo dos governadores estaduais, de várias regiões, com o governo federal. Os governadores que estão no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) estão pleiteando mudanças. Tem que conversar, dialogar. Os governadores têm de provar, como o próprio governador Eduardo Leite prova que fez reformas importantes, que melhoraram a situação fiscal do Rio Grande do Sul. O Estado fez uma reforma da previdência importante, acabou com anuênios e quinquênios que tinham reajustes automáticos. Fez também privatizações. Foram reformas importantes. Os Estados têm de ser analisados caso a caso. É uma situação difícil e, qualquer que seja a solução, no caso dos mais endividados, tem de haver algum programa de ajuste fiscal. Caso contrário, a situação vai se agravar. Então, tem que ver exatamente qual é o problema que cada um alega. E todos precisam entender que o espaço que o governo federal tem para ajudar os estados é pequeno.
Quanto desse problema tem origem na redução das alíquotas de combustível, energia e telecomunicações, e quanto é estrutural dos Estados?
Os governadores têm razão quando afirmam que esse problema tem relação com a redução das alíquotas. Praticamente metade da arrecadação de ICMS vinha de três setores: combustível, energia e telecomunicação. E houve redução da alíquota exatamente nesses três setores. A redução em energia e telecomunicações já ocorreria, de qualquer forma, a partir deste ano, de acordo com a decisão do Supremo. Foi apenas antecipado. Muitos governadores aumentaram a alíquota modal para poder fazer frente às despesas. Em questão fiscal, não tem muito mistério. Se tem despesa e não consegue cortar, a sociedade vai ter que aceitar uma alíquota maior, o que é difícil. Por outro lado, há um esforço de alguns governadores em controlar as contas. Tem alguns problemas que o próprio governador aqui do Rio Grande Sul levanta, e ele tem razão. O Rio Grande Sul tem uma proporção maior de idosos. Então, em alguns municípios, os alunos nas escolas estão diminuindo. Só que hoje, no Brasil, o percentual que se gasta com saúde e educação independe da proporção de idosos e jovens. É algo que o Congresso vai ter de discutir. Se ao menos se unificasse o gasto mínimo com saúde e educação, os que precisam gastar mais com a educação privilegiaram essa área, e reduzir os da saúde. Nos que têm maior proporção de idosos, possivelmente vai ter que aumentar gasto com saúde e talvez tenha de reduzir com educação, porque o número de alunos está caindo.
É questão de pensar se todo subsídio tem o efeito esperado. Muitas vezes, um subsídio foi importante no momento em que foi criado. Depois, perde um pouco a eficácia.
O que é mais eficiente, aumento de alíquota ou redução de incentivos fiscais?
Depende. Ajustes fiscais são decisões muito difíceis. Governadores e governo federal não têm condições de reduzir o gasto muito rápido, até porque o percentual de investimento de um Estado, até mesmo do governo federal, é muito pequeno. Então, todo ajuste fiscal leva tempo e significa controlar o crescimento da despesa. A situação do Rio Grande do Sul, há 10 anos era muito séria, e passaram-se anos sem que se conseguisse colocar de pé um plano de ajuste fiscal. Foi um grande avanço ter entrado no Regime de Recuperação Fiscal. Agora, de fato, o governador tem um problema, não só ele como vários outros governadores. Precisa de mais arrecadação, porque contavam com uma arrecadação que não têm. Sabemos que é muito difícil, em um, dois anos, o governo cortar despesas quando perdeu parte relevante da receita. Então, vamos ter de olhar para o lado da arrecadação. É questão de pensar se todo subsídio tem o efeito esperado. Muitas vezes, um subsídio foi importante no momento em que foi criado. Depois, perde um pouco a eficácia. Por exemplo, quando o Brasil começou com essa onda de investimento em energia eólica, eram necessários subsídios. Só que hoje o custo de produção de energia renovável já caiu muito, não precisa de subsídio. É uma questão da analisar a funcionalidade dos subsídios.
Economistas também dizem que subsídios são gasto tributário. Que conceito é esse?
De fato, na literatura econômica internacional, incentivos fiscais são considerados gasto tributário. No Brasil, esse gasto representava, até 2002, por volta de 2% do PIB. Hoje, equivale a cerca de 6% do PIB. Uma parte grande do crescimento do que se chama gasto tributário envolve programas como, por exemplo, o regime especial pra pequenas e médias empresas, que é o Simples, que é difícil cortar. O que é importante para o empresário é o que a gente chama de igualdade de competição. Então, se der muitos incentivos fiscais, mais para um setor, menos para outro, pode dificultar bastante o ambiente de investimento. Então, a agenda de rever subsídios é muito pragmática. Tem de analisar se se justifica ou não, se traz o benefício esperado ou não. Não podemos ser contra de antemão.
Você falou da vinculação à receita das despesas de saúde e educação. Com o ajuste federal baseado em arrecadação, os limites mínimos vão subir muito. É um problema?
Isso vai ter de ser debatido. É algo que terá de ser discutido, porque o ajuste fiscal depende do aumento de arrecadação, e o governo federal nunca escondeu isso. Mas a cada aumento de arrecadação, terá de gastar mais em saúde, educação e emendas parlamentares. Essa vinculação por receita nunca é boa, em nenhuma circunstância.
Um relatório de projeções fiscais publicado pelo Tesouro Nacional neste ano aponta que, para cumprir a regra fiscal aprovada, mantendo a vinculação em educação e saúde, as despesas não obrigatórias (ou seja, o investimento) iriam desaparecer até o início da próxima década.
Qual o risco de discutir isso no Congresso? Vai ser difícil enfrentar o debate de que o governo vai reduzir o gasto de despesa em educação e saúde?
Não, porque não vai reduzir. Neste ano, o gasto com saúde do governo federal vai aumentar em R$ 40 bilhões. E a questão toda é que o ajuste fiscal depende de arrecadação. Se não quebrar essa vinculação, o governo vai ter que fazer um esforço para aumentar ainda mais a carga tributária, porque parte do aumento será perdido com esse maior gasto obrigatório. Essas vinculações são um problema tanto para o governo federal quanto para os Estados. E tem um problema adicional: muitas vezes, uma parte do aumento dessa receita é temporária, mas dá origem a um gasto. Depois, quando a receita cair, um governador ou um presidente da república não vai conseguir cortar.
*Colaborou João Pedro Cecchini