Não faltaram avisos antes da publicação do estudo que colocou data no grande temor dos ambientalistas. O risco de a floresta amazônica ser devastada a ponto de não "funcionar" mais como um ecossistema íntegro que ajuda a regular o clima vem sendo apontado há muito tempo, por vários cientistas.
Agora, um artigo científico liderado por pesquisadores brasileiros, que foi capa da revista Nature (clique aqui) fixou 2050 como possível "ponto de não retorno", ou seja, o momento em que os esforços para frear o desmatamento e reflorestar já não seriam mais efetivos.
Ah, mas os gaúchos aqui na outra ponta do Brasil nem vão tomar conhecimento, certo? Errado. O Rio Grande do Sul será afetado de forma drástica caso o cenário desenhado no estudo se confirme, como já mostrou o colega Luis Felipe dos Santos em extensa reportagem publicada em fevereiro de 2021.
Um eventual colapso da Amazônia, ainda que parcial, como frisa o estudo, "influencia na quantidade de água, na quantidade de carbono que a floresta é capaz de manter e reciclar água", detalhou a cientista Marina Hirota, professora do departamento de física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e uma das coordenadoras do estudo.
Boa parte da chuva que cai no Rio Grande do Sul para irrigar as lavouras que fazem diferença entre um ano em que a riqueza circula pelo Estado e outro que faz falta vem da Amazônia, nos chamados "rios voadores". A figura parece apenas um recurso poético, mas é muito científico.
"Rios voadores" são correntes atmosféricas formadas por massas de ar carregadas de vapor, que podem ou não ter nuvens. A floresta amazônica funciona como uma espécie de bomba d'água. "Puxa" para o continente a evaporação do Oceano Atlântico, carregada pelo vento. Ao entrar sobre a terra, o vapor condensa e cai como chuva na floresta. Sob o sol quente, as árvores "transpiram", devolvendo a água da chuva à atmosfera.
Os "rios voadores" são soprados para o oeste, mas encontram a barreira natural formada pela Cordilheira dos Andes. Parte do vapor que carregam se precipita na encosta das montanhas, formando as cabeceiras dos rios amazônicos. Outra parte "faz a curva" e vai em direção às regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Por aqui, quando encontra condições favoráveis, como uma frente fria vinda da Argentinam, vira chuva.
No ano passado, o desmatamento da Amazônia diminuiu. Mas como a coluna frisou, com a redução, ainda foi equivalente à aniquilação de 13 mil campos de futebol por dia. Treze mil. Por dia. Esse número ajuda a entender o risco apontado no estudo. Os gaúchos são chuva-dependentes, portanto são Amazônia-dependentes. É de nosso maior interesse garantir que a floresta não chegue ao temido ponto de não retorno. Se chegar, é a economia do Estado que fica em risco.