Não foi apenas lamentável na forma a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva envolvendo Israel, Adolf Hitler e judeus. Também foi deplorável pelo momento, dias antes da realização, no Brasil, da reunião preparatória com os chanceleres do G20 para o encontro de cúpula - com os chefes de Estado dos países-membros - previsto para novembro.
Na reunião desta quarta-feira (21), um dos principais nomes é o de Antony Blinken, secretário de Estado - cargo que equivale ao de um ministro de Relações Exteriores - dos Estados Unidos, que já chegou ao Brasil na noite de terça-feira (20).
Blinken é neto de judeus da Hungria e já foi quase uma dezena de vezes a Israel desde o início da ofensiva a Gaza que se seguiu aos ataques terroristas de 7 de outubro - algumas delas inclusive para cobrar moderação do atual governo de Israel.
Além da reunião preparatória do G20 com outros chanceleres no Rio de Janeiro, a agenda de Blinken também prevê uma reunião com Lula em Brasília. O clima será desnecessariamente tenso, porque o encontro foi precedido por uma advertência do porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller sobre as frases de Lula:
— Obviamente, nós discordamos desses comentários. Temos sido muito claros em que não acreditamos que o que tem ocorrido em Gaza seja genocídio.
Não fosse o erro terrível de Lula, Estados Unidos e Brasil poderiam trabalhar juntos por um cessar-fogo em Gaza. Apesar de já ter bloqueado várias tentativas de aprovação de moção nesse sentido no conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), até os EUA teriam preparado, conforme a imprensa americana, uma proposta de trégua ao menos temporária.
E é por isso que a frase de Lula foi tão contraproducente. A essa altura, poucas representações diplomáticas discordam de que a reação israelense passou do ponto, com mortes de mulheres e crianças, ataques a hospitais e uma estimativa ao redor de 30 mil vítimas fatais. A declaração, feita no domingo, antecedeu o início de uma análise, na Corte Internacional de Justiça, tribunal vinculado à ONU, das consequências legais da ocupação de territórios palestinos por Israel.
Ao articular palavras erradas no momento errado, além de disparar um míssil contra seu próprio projeto, o presidente brasileiro deu de presente ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a oportunidade de passar de acusado a acusador. Agora, tem de lidar com uma crise desnecessária e contraproducente em um momento crucial para a diplomacia brasileira.
Em tempo: Lula errou, e feio. Mas nada justifica os atos subsequentes, como levar o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, para um "ato de contrição" no Museu do Holocausto, nem o vocabulário do chanceler israelense Israel Katz, que na terça-feira (20) disse que a "comparação" feita por Lula era "promíscua e delirante" e "um cuspe no rosto dos judeus brasileiros". Nem no meio de uma crise diplomática esse tipo de comportamento é admissível. Dois erros não fazem um acerto.