Havia muita curiosidade sobre como o governo Lula conciliaria seu estímulo à indústria com o discurso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que "se um setor não vai pagar tal coisa, outra pessoa vai pagar". O plano estimado em R$ 300 bilhões inclui subsídios, ou seja, renúncia fiscal, aquela que segundo Haddad "precisa ser acompanhada de uma compensação".
Nesta segunda-feira (22), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou o Nova Indústria Brasil, costurado por seu vice e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. O que levantou sobrancelhas foi a inclusão de "empréstimos não reembolsáveis", ou seja, subvenções diretas e sem retorno aos cofres públicos.
O valor do pacote impressiona: R$ 300 bilhões, dos quais R$ 250 bilhões serão "mobilizados" pelo BNDES. Do total geral, R$ 106 bilhões já havia sido anunciados. Conforme o banco comunicou pouco antes do anúncio oficial, da quantia que lhe cabe, já foram aprovados R$ 77,5 bilhões para projetos em iniciativas que agora passam a integrar o plano.
São metas até 2033 a partir de seis grandes eixos: agroindústria, saúde, infraestrutura, saneamento, tecnologia de defesa, moradia e mobilidade (juntas), transformação digital e bioeconomia. A inclusão dos dois últimos segmentos marca diferença em relação a planos anteriores de governos petistas, que tiveram resultados discutíveis - para dizer o mínimo -, com forte impacto negativo nas contas públicas.
Estímulos ao setor industrial costumam ser justificados pelo fato de que o setor oferece "emprego qualificado", ou seja, que exige maior formação de seus trabalhadores e, consequentemente, maior remuneração. Outra ponderação é a de que o bom desempenho no segmento fabril estimula outros setores, ao comprar mais insumos e matérias-primas, sem contar a demanda de outros serviços qualificados.
O anúncio foi pontuado por declarações que inquietaram por evocar planos do passado. O presidente do BNDES, Aloísio Mercadante, afirmou que o Estado não precisa ser mínimo ou máximo, mas "o necessário". O chefe da Casa Civil, Rui Costa, disse que, se o Brasil quer reverter o cenário da desindustrialização "é preciso a participação forte do poder público". Lula não repetiu a fórmula. Preferiu mencionar "parceria" entre o setor público e o privado, e justificou um dos pilares do programa, a exigência de conteúdo local:
— Em Londres, participei de uma reunião do G20 que terminou com a meta de acabar com o protecionismo. Desde então, o protecionismo aumentou mais do que nunca. Muita gente fala em livre mercado para vender, mas quando é para comprar, protege seu mercado como ninguém.
O presidente ecoou o certo ceticismo que sempre cerca o anúncio de programas ambiciosos:
— Precisamos dar sequência de cumprimento às coisas que aqui foram discutidas.
No ano passado, a produção industrial no Brasil diminuiu 0,9% em relação a 2022. No entanto, estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) com base em dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial mostrou que o Brasil subiu da 78ª para a 58ª posição no ranking global de desempenho da produção física. Ainda é uma classificação baixa, mas evidencia que outros países tiveram mais dificuldades.
E o que disse Haddad de tudo isso? Até agora, nada. Com agenda em São Paulo, não estava no anúncio. Mas será perguntado assim que for possível.
Curiosidade: o anúncio começou com mais de uma hora e meia de atraso. Lula pediu desculpas aos presentes que chegaram na hora porque ele e Rui Costa chegaram atrasados - o que não é usual - e afirmou que está na hora de começar a cumprir horário. E adicionou pulgas atrás de orelhas ao creditar o motivo do atraso a uma "discussão ruim sobre contas boas".
O que é déficit zero e por que é importante
A meta de déficit zero adotada pelo Brasil é um compromisso relacionado ao chamado "resultado primário", Isso quer dizer que o governo não vai gastar mais do que arrecada, sem considerar as despesas com a dívida pública. Significa que, ao não comprometer recursos que não tem (o que significa, na prática, gastar mais do que arrecada), não vai aumentar a dívida do Brasil. Ter déficit zero representa disposição de não elevar o já pesado endividamento público. Quanto maior a dívida, maior seu custo, o que dificulta a redução do juro.