No último dia útil antes da posse de Javier Milei na presidência da Argentina, todos os tipos de câmbio entre peso e dólar existentes no país - mais de uma dezena - sobem. No penúltimo, até o oficial teve a maior desvalorização desde os resultados das prévias que colocaram o autoproclamado anarcocapitalista como favorito.
Conforme a Bloomberg Línea, serviço latino-americano da tradicional agência especializada americana, a aposta dos investidores aponta para uma desvalorização de 44% da moeda nacional depois da posse de Milei.
O dólar oficial foi "reajustado" de 365 pesos por dólar para 400, mas ainda não chega ao nível que teria sido apontado pelos movimentos de mercado, ao redor de 500 - conforme o jornal Clarín, a intenção de Milei é chegar a 700. Ainda assim, equivaleria à metade da cotação mais usada no paralelo, o blue, que voltou a encostar em 1 mil pesos às vésperas da posse.
Depois dos inúmeros recuos e reviravoltas de Milei, o que se espera agora não é uma dolarização no curto prazo, nem sequer a remoção de todas as restrições de movimentação de moeda estrangeira no país, que no conjunto são conhecidas como "cepo cambiario".
O próprio Milei já definiu o futuro da Argentina: será de "estanflación" (estagflação em português), fenômeno que combina inflação muito elevada com estagnação (daí o "estag" do palavrão) ou, no caso mais provável argentino, queda pronunciada da atividade econômica. E também avisou que levará entre 18 e 24 meses para reverter esse cenário.
As projeções mais otimistas cravam inflação de 250% em 2024, mas um sócio histórico de Milei, Diego Giacomini, projeta 400% no próximo ano. Para lembrar, até outubro a inflação argentina em 12 meses estava em 140%. Depois disso, os combustíveis subiram 30%, com o fim de uma das inúmeras medidas de controle, e vários outros preços já começam a ser reajustados.
Na parte "estag" da equação, o futuro ministro da Economia, Luis "Toto" Caputo, avisou que apresentará 14 medidas na segunda-feira (11), todas na mesma direção: um duríssimo ajuste fiscal - estimado em 5,5% do PIB -, pela via do corte de despesas do setor público. Muitas vão precisar de aprovação no Congresso, portanto com destino imprevisível mesmo que Milei tenha indicado até peronistas não-kirchneristas para seu governo em busca de apoio parlamentar.
Um desses planos é acabar com qualquer controle de preços, o que tem provocado projeções de cenários arrepiantes: conforme integrantes da Mesa de Enlace (conselho formado no atual governo com representantes de segmentos econômicos para tentar manter o poder de compra dos argentinos), um quilo de carne poderá chegar a 25 mil pesos argentinos - US$ 25 pelo câmbio do blue - mais do que o dobro do atual.
Talvez Milei tenha tentado, com suas sombrias "promessas", entregar algo melhor do que projetou. Mas talvez a incerta posição do Congresso a suas medidas seja menos dramática do que a potencial reação nas ruas. O aparato "piquetero" - entidades e sindicatos que costumavam interromper rodovias e ruas em governos anteriores andou desmobilizado, mas já deu sinais de que pretende voltar a incomodar. Quanto ainda está por se definir.