O pacote para desregular a economia do novo presidente da Argentina, Javier Milei, que havia sido adiado para não acirrar os ânimos de um protesto contra seu governo, acabou, mesmo assim, provocando novas mobilizações.
Depois que foram confirmadas medidas como a mudança na lei dos aluguéis que beneficia os proprietários, a redução de direitos trabalhistas e o encaminhamento de privatizações - tudo por Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) -, houve novos bloqueios. E se voltou a ouvir, em Buenos Aires e arredores, um som arrepiante na Argentina: panelaços, que marcaram o início do fim do governo de Fernando de la Rúa, em 2001.
Embora circulasse a informação de que haveria 600 novas normas, o "libertazo" de Milei se limitou a 300. Há outro pacote de medidas que o atual ocupante da Casa Rosada admite submeter à apreciação no Congresso. Mas são 83 páginas e 362 artigos que ainda precisam ser digeridos para avaliação global de seu alcance.
Entre as mudanças, estão o fim das punições sobre falha de registro de trabalho, a expansão do contrato de experiência - sobre o qual incidem menos custos - de três para oito meses, a redução das contribuições para diversos programas sociais e a transferência da responsabilidade do seguro desemprego para os sindicatos, de forma "voluntária".
É bom lembrar que, na Argentina, essas entidades têm papel e financiamento diferente dos que existem no Brasil. Muitas recolhem mensalidades compulsórias destinadas a sustentar planos de assistência à saúde, o que dá aos sindicatos de trabalhadores - por lá, chamados de "gremios" (sem acento) - um poder muito maior do que têm no Brasil, agora minado pelo DNU de Milei.
O decreto ainda transforma estatais em sociedades anônimas (S/As), para facilitar sua privatização e entrega o controle acionário da Aerolíneas Argentinas - que já foi privatizada e reestatizada - aos empregados.
Além de detalhar as novas regras, a imprensa argentina ouviu constitucionalistas, que de forma quase unânime avaliam que há muitas alterações para as quais não há justificativa de "necessidade e urgência". E entidades já avisaram que vão questionar na Justiça o fato de as medidas terem sido tomadas por decreto.
Na Argentina, o poder judiciário tem a prerrogativa de não aprovar artigos de decretos que contrariem direitos já assegurados ou sejam inconstitucionais. E, embora não esteja submetido ao rito legislativo normal, o mecanismo terá de ser enviado em até 10 dias à Comissão Bicameral formada por oito deputados e oito senadores - ainda por indicar - , que também terão 10 dias para se manifestar sobre a validade ou invalidade do decreto. Como Milei não tem maioria em nenhuma das casas, o DNU é uma forma de facilitar a tramitação.