No segunda metade da década de 1990, o Brasil viveu uma intensa quebradeira de bancos. Foi necessário criar dois programas de resgate, um para bancos privados, o Proer, e outro para os públicos, o Proes. Para que isso não voltasse a acontecer, o Banco Central decidiu tornar mais robusto seu trabalho de supervisão. Uma grande equipe se envolveu, com tamanho empenho que criou sérios conflitos. Deu tanta briga que, a certa altura, foi preciso criar o "dia do armistício" (suspensão das hostilidades).
Essa é uma das histórias narradas pelo gaúcho Gilneu Vivan, chefe do departamento de Monitoramento do Sistema Financeiro do BC, e pela ex-colega Paula Oliveira, já aposentada, no livro As Novas Fronteiras da Supervisão, que será lançado na Feira do Livro no próximo domingo, às 14h.
Com três prefácios, um dos quais o do presidente do BC, Roberto Campos Neto, o livro conta como o Brasil saiu de uma das maiores crises da história do sistema bancário para virar referência na área de supervisão e segurança. Ou seja, Gilneu e seus colegas conseguiram fazer um esforço raro no Brasil: transformar um enorme problema em uma grande solução. A coluna, claro, quis saber como se faz.
— Houve muita briga, porque havia dois grupos inconciliáveis. Não trouxemos um modelo de outro país e implantamos. Nós construímos, e hoje é referência mundo afora. É uma mostra do que é possível fazer quando tem decisão, recursos, foco e gestão. Aí conseguimos fazer projetos reconhecidos mundialmente — diz Vivan.
E complementa:
— Uma característica essencial foi a continuidade de projeto, que passou por quatro governos e conseguiu manter um grupo de servidores dedicados a um projeto técnico. E, ainda, tem uma característica fantástica do BC, interferência política muito baixa.
Ao relatar as dificuldades, explica um dos autores, a ideia foi dar dimensão humana a esse capítulo da história econômica do país.
— Eu e a Paula entrevistamos 68 pessoas, todos os ex-presidentes do BC desde o Armínio Fraga, diretores, chefes de departamento e vários colegas que participaram do trabalho. O livro não é um manual para ensinar a fazer supervisão, mas para mostrar como, depois de muita cabeçada, dois ou três projetos convivendo ao mesmo tempo, um inferno, foi possível construir e fechar um modelo, que foi bem-sucedido.
Na crise financeira de 2008, que derrubou bancos como peças de dominó mundo afora, o Brasil sofreu, mas bem menos, lembra Vivan, muito graças ao modelo sofisticado de supervisão. Em um dos capítulos, o ex-presidente do BC, Henrique Meirelles, lembra como foi recebido com aplausos em uma das tensas reuniões internacionais que ocorreram na esteira da quebradeira global.
Hoje, afirma o gaúcho que monitora a saúde do sistema financeiro, o sistema processa um volume de microdados "inconcebível em outro lugar do mundo". E o trabalho seguiu dando frutos em outro momento de solavanco global:
— Na pandemia, o fato de conhecermos os dados, os modelos de negócio, permitiu desenhar em três semanas uma ferramenta para enfrentar aquele momento, uma letra financeira garantida para ajudar a dar liquidez para o sistema, usando a nossa base de dados.
Isso não significa, claro, que os desafios tenham sido todos vencidos. Agora, para avaliar os riscos do sistema, é preciso conhecer não só dados bancários, mas climáticos e de cibersegurança, exemplifica Vivan. Mas ter atrás de si uma rara história de sucesso na solução de um grande e complexo problema dá confiança. A coluna espera que a leitura do livro ajude quem tem nas mãos outros grandes e complexos problemas a resolver.