A dúvida sobre o compromisso do governo Lula de perseguir o déficit zero em 2024 provocou quedas na bolsa, altas do dólar e até dúvidas sobre a permanência no cargo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
No entanto, o mesmo mercado que reage de forma negativa aos sinais de Brasília não tem dúvida: projeta rombo de 0,78% do PIB no próximo ano. É uma incoerência?
A coluna levou a dúvida a economistas de mercado e ouviu uma resposta que se repete: a meta de déficit zero é importante porque, sem esse compromisso, há temor de que o buraco no orçamento seja ainda maior. Por isso, a frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que mais azedou o humor não foi a de que "dificilmente chegaremos à meta", por que o mercado tem a mesma avaliação.
Essa posição aparece semanalmente no boletim Focus, elaborado pelo Banco Central com base em consultas a cerca de uma centena de instituições financeiras e consultorias econômicas. Os números que aparecem em destaque são os "medianos", o que não quer dizer uma média aritmética, mas os citados com mais frequência, portanto a maioria. Por isso, o Focus é chamado também de "consenso de mercado".
Nesse sistema de projeções, a previsão de déficit para 2024 começou o ano em 1% do PIB e caiu para a faixa ao redor de 0,8% depois da apresentação do novo marco fiscal. Havia caído até 0,75%, mas nesta voltou a subir para 0,78% (confira na tabela do Focus abaixo). Portanto, não há novidade para o mercado em perceber que será difícil a meta de zerar esse percentual.
O que incomodou foi outra expressão, a de que a meta "não tem de ser zero", inclusive por colocar em questão a força e o poder de Haddad, que conquistou - não sem muito esforço - o papel de fiador dos compromissos fiscais do governo e entendeu a importância de confirmar que a meta será "perseguida" - não necessariamente alcançada. O próprio BC, no comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) que definiu corte de 0,5 ponto percentual, afirmou:
"Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas."
Embora não seja palavra muito usada no dia a dia, "persecução" vem de "perseguir". Ou seja, não se trata de, necessariamente, alcançar um resultado específico, mas buscar o equilíbrio, que, como Haddad afirmou, não é bom para o governo, mas para o país.
Quando foi indicado para o cargo, o ex-prefeito de São Paulo provocou levantamento de sobrancelhas em cascata no mercado. Mas a coluna já ouviu de um operador da Faria Lima - a avenida de São Paulo que simboliza o mercado financeiro - que Haddad foi uma "boa surpresa", com vantagem sobre o antecessor, Paulo Guedes, por ouvir mais.
Pois até esse personagem que parecia discípulo de zen budismo, dada a aparente paciência para lidar com o tamanho de seu desafio, foi levado à exasperação na segunda-feira (30), quando deixou escapar que vai perseguir o equilíbrio fiscal "enquanto estiver no cargo".
A comunicação verbal e não verbal de Haddad provocou tanta preocupação que a equipe econômica veio em seu socorro. A ministra da Gestão, Esther Dwek, afirmou que não houve "desautorização" e Lula teria tentado sinalizar apenas que a meta não será buscada ao custo do corte de investimentos.
O que é déficit zero e por que é importante
A meta de déficit zero adotada pelo Brasil é um compromisso relacionado ao chamado "resultado primário", Isso quer dizer que o governo não vai gastar mais do que arrecada, sem considerar as despesas com a dívida pública. Significa que, ao não comprometer recursos que não tem (o que significa, na prática, gastar mais do que arrecada), não vai aumentar a dívida do Brasil. Ter déficit zero representa disposição de não elevar o já pesado endividamento público. Quanto maior a dívida, maior seu custo, o que dificulta a redução do juro.