O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
Fabiano Dallazen atuou por 25 anos no Ministério Público (MP-RS), em trajetória que o conduziu, por exemplo, a exercer dois mandatos consecutivos (2017-19 e 2019-21) de procurador-geral de Justiça do RS e um na presidência do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e da União. Hoje, ele aplica, com orgulho, os conhecimentos adquiridos na carreira pública na diretoria de relações Institucionais da Aegea, empresa líder em Saneamento Básico, que arrematou a Corsan em leilão realizado no ano passado.
Passados meses de uma batalha judicial para assumir os ativos gaúchos, a companhia precisa correr para cumprir metas do novo do saneamento, em um setor sensível, que também envolve a prestação de serviço público à população – mas não entrega esgoto tratado para 100 milhões de brasileiros e não oferece água tratada a 35 milhões de pessoas – via concessão para a iniciativa privada e do maior investimento em infraestrutura já realizado no Estado, com R$ 15 bilhões em 10 anos. Pelo caminho, há muito a ser feito em, pelo menos, 317 cidades das 497 existentes no RS.
Como foi a decisão de trocar o serviço público pela iniciativa privada?
Foi uma decisão pessoal. Fiz tudo o que entendi como possível e cumpri com a minha missão no serviço público, ainda tinha um longo tempo antes de me aposentar e recebi uma proposta do setor privado para trabalhar em uma empresa líder do setor no país, presente hoje em 14 Estados e aceitei. Tenho muito orgulho do que fiz e um carinho por tudo o que foi realizado e pelos colegas, mas agora presto um serviço público com outro viés, porque água, saúde e saneamento também é serviço público. E quero com os mesmos valores produzir algo de bom compartilhado com a sociedade e a Aegea me proporciona isso, trabalhar uma relação institucional qualificada necessária que uma empresa desta dimensão precisa ter com o poder público, o executivo, o legislativo, o judiciário, órgãos de controle, para tentar superar esse gap de saneamento que deixa 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável, 100 milhões de pessoas sem acesso à coleta e ao tratamento de esgotos e revela também um propósito enorme. Ou seja, infraestrutura, desenvolvimento, saúde, meio ambiente, que é muito do que a gente defendia lá no serviço púbico. E, agora da mesma forma, mas em parceria com a iniciativa privada, em parceria com o poder público continuamos a defender com a mesma intensidade.
Como está o andamento dos contratos?
Com a aquisição da Corsan, a Agea adquiriu os contratos, mas têm diferentes situações jurídicas, sobretudo, de tempo. São 77 com prazo aditivados até 2062 (pelo marco legal, é preciso entregar as metas até 20233), outros com datas diferentes. O trabalho é fazer com que esses contratos sejam regularizados do ponto de vista do novo marco do saneamento. Para isso, o poder público municipal precisa entender esses contratos como uma necessidade e uma oportunidade, porque a Lei determina a cada gestor municipal a obrigação de atingir até 2033 90% da coleta e tratamento de esgoto e 99% de água, demandando redução de perdas que hoje, no sistema Corsan, por exemplo, chegam a 42,9%. A regularização do contrato é o instrumento pelo qual o gestor vai cumprir a sua obrigação de entregar o mapeamento e com o qual a companhia vai ter a segurança jurídica para fazer os investimentos necessários em cada um dos municípios grandes ou pequenos – e não há município inviável para nós. Para isso, a própria lei diz que os contratos que antes eram de programa (espécie de convênio que entre dois entes do poder público) tem de se transformar em concessão, que envolve de um lado o poder público e de outro uma empresa concessionária que prestará o serviço sobre a regulação das agências e do próprio poder concedente. É uma tarefa jurídica que dará segurança ao gestor para encaminhar a solução para a universalização que é de sua responsabilidade e, por outro lado, dará segurança para a companhia que fará o investimento. Estamos conversando com todos os prefeitos, explicando isso e colocando a necessidade da regularização para combinar a cadência e o tempo cidade por cidade, porque temos um plano para cada um desses municípios.
O que já foi feito?
Temos cerca de 100 contratos e já regularizados em menos de três meses e já começamos a fazer os investimentos necessários nesses municípios com a situação regularizada com a entrega de obras que já começam a mudar a relação entre o poder concedente municipal e a Corsan agora privada. Havia 10 municipais e único caso que foi anulado judicialmente, com a tentativa de uma concessão do município e nove em que o prazo estava expirado. Mas a Corsan continuou prestando o serviço naqueles municípios, sem interrupção e queremos encontrar a segurança jurídica para neles também poder fazer o investimento. Importante é que ao privatizar a companhia o Estado endereça a solução para os 317 municípios que são do sistema Corsan, mas 170 municípios que não são do sistema e que não tem estruturas próprias robustas como Porto Alegre, Caxias, São Leopoldo, Pelotas, Novo Hamburgo, etc, que precisam ter o endereçamento. Quem é Corsan está com o problema resolvido, basta regularizar o contrato. A questão é os municípios que não são e necessitarão de um pacto, do governo, da assembleia, de um pacto para fazer o quanto antes o caminhamento dessa questão em busca de uma solução.
As demais cidades estão no radar da Aegea?
Com relação aos municípios do sistema Corsan, a compra da companhia em leilão público é a licitação, para esses outros existe a necessidade de fazer uma modelagem para a licitação dos contratos. Há interesse da Agea, mas depende de modelagem que necessita dar escala e permitir captar recursos no mercado para arcar com um investimento intensivo e de longo prazo para atingir o novo marco. A minha preocupação é com os próprios gestores, porque a cobrança e a responsabilidade recaem sobre eles. Até agora estão sem ferramentas para cumprir com essa obrigação.
É possível que os demais munícipios façam modelos em grupos?
Cabe aos prefeitos em conjunto com o governo, dentro de sua viabilidade para auxiliar numa modelagem, mas não cabe a nós, uma concessionária, dizer como. De nossa parte, fica o compromisso de que feita uma modelagem pelos município, com a coordenação do governo do Estado, em analisá-la e participar no sentido de trazer ferramenta e solução para que eles possam endereçar os seus planos de saneamento. E assim possamos mudar algo importante para o Rio Grande do Sul que é uma realidade dura: estamos abaixo da média nacional em coleta e tratamento de esgoto, temos índices enlevadíssimos de perdas de água, os municípios Corsan, alguns estão abaixo da média estadual, com 20% apenas de tratamento e coleta. Só nesses o investimento é de R$ 15 bilhões, que vão mandar por arranjos com o poder público, órgãos de licenciamento ambiental, empresas de construção civil para que isso possa acontecer. São metas físicas muito ambiciosas para instalação de redes, pontos de coleta e lançamento de esgotos. Será preciso: fôlego de investimento e muita compreensão. Isso tudo para somar esforços e mudar essa realidade no RS. Havendo isso, em pouco tempo, com articulação institucional e necessidade de trabalho de diálogo com prefeitos, governo do Estado, órgãos de controle, conseguiremos fazer rapidamente.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo