Sete anos atrás, uma fabricante de guindastes atraída para o Rio Grande do Sul pela construção de plataformas abandonou uma unidade que havia construído em Passo Fundo. A americana Manitowoc havia recebido da prefeitura, além da área para instalar a produção, várias benfeitorias, como terraplanagem e pavimentação.
Agora, um empresário da cidade, Antônio Roso - leia-se Metasa -, quer reativar as instalações, mudando para a produção de equipamentos para armazenamento e escoamento de grãos, segmento para o qual prevê grande necessidade nos próximos anos, mas o Ministério Público Estadual vê problemas no processo.
O que está em jogo é o aproveitamento de uma planta industrial que tem instalações acima da média do Estado, porque a Manitowoc usou os mesmos padrões de suas unidades nos Estados Unidos.
Roso pretende produzir silos de armazenagem de grãos, estruturas metálicas e componentes para o armazenamento. Em seu plano de negócios, prevê alcançar faturamento de R$ 1,45 bilhões e gerar 30o empregos em cinco anos de operação. Ofereceu R$ 31 milhões para compensar a prefeitura pelas obras feitas no local, além de se comprometer a investir mais R$ 50 milhões para adaptar a unidade.
Essa possibilidade foi barrada pelo MPE, que advertiu a prefeitura de que a administração poderia ser alvo de ação de improbidade administrativa caso avançasse em negociações exclusivas com um grupo interessado. Conforme o procurador Cristiano Ledur, da 4ª Promotoria Especializada de Passo Fundo, que atua com colegas do MPE de Porto Alegre, "há, como é formalmente conhecido e admitido pelo município, mais interessados na área, o que indica a necessidade de certame público amplo, pois somente assim será obtida a melhor proposta pela área (...) a maior já destinada em Passo Fundo".
Roso sustenta que não precisa de toda a área, de 45 hectares, mas de apenas 9 hectares, onde está situada a planta e sua infraestrutura. Além disso, pondera que tem uma história de realizações na indústria gaúcha. A Metasa, que fundou em Marau, em 1967, foi vendida, mas o empresário a recomprou e diz ter salvo o negócio da ruína, também por dificuldades ligadas ao fim do modelo dos polos navais.
— Ganhamos visibilidade nacional a partir de 1986, quando passamos a ser conhecidos por construir o hangar da Varig, que era uma espécie de Petrobras na época. Aprendemos muito com isso — relatou à coluna.
Em 2020, a Metasa fechou um negócio relevante com a Bracell, como a coluna registrou. Roso ainda argumenta que, além de retomar a produção, pretende transformar a PAR em um polo de desenvolvimento de engenharia "para o mundo". Conforme Augusto Ghion, advogado da PAR, a intervenção do MPE fez com que a oferta de compensação à prefeitura saísse de cenário. Agora, afirma, a forma de resolver o impasse deve ser mesmo uma licitação pública, como proposto pelos procuradores:
— Concordamos em devolver a área para a licitação. Queremos participar, e que vença o melhor projeto. Caso seja outro, precisamos ressalvar o ressarcimento dos custos que a PAR teve até agora, com a compra das instalações da Manitowoc e as atividades de manutenção feitas desde então.
O que diz o MPE
"O MP, em diversas ocasiões e com todas as partes interessadas, vem sustentando o cumprimento da decisão posta em sentença, com o retorno da área ao Município para ser feita nova destinação, com licitação, haja vista que as atividades a serem desenvolvidas no local, ao que consta, têm concorrência no mercado, obrigando a oferta pública.
Esse um dos pontos. Há, como é formalmente conhecido e admitido pelo Município, mais interessados na área, o que indica a necessidade de certame público amplo, pois somente assim será obtida a melhor proposta pela área. A área, diga-se, é a maior já destinada em Passo Fundo.
Portanto, o MP entende que a segurança jurídica somente ocorrerá com o cumprimento do que consta na sentença ou com eventual alteração da decisão após o julgamento das apelações. No momento, existe uma decisão judicial e é este o cenário que o MP vem defendendo."
Entenda o caso
Entre 2011 e 2015, a Manitowoc produziu guindastes em área doada pelo município às margens da ERS-324. Como havia se comprometido em investir R$ 70 milhões, recebeu incentivos fiscais e financeiros da prefeitura. Em 2016, porém, encerrou as operações depois que os polos navais naufragaram.
Desde então, a área ficou abandonada por quase sete anos, sem gerar emprego e renda para a população. A falta de manutenção ameaça instalações que foram construídas há pouco tempo.
Ainda em 2016, foi ajuizada uma ação popular para que o município retomasse a área doada à Manitowoc, que teve em primeira instância, em 2021, sentença favorável à devolução, sem direito a indenização por benfeitorias. Houve recurso, que está em análise no Tribunal de Justiça.
No fim de 2022, o empresário Antônio Roso criou a PAR Participações e comprou o CNPJ da Manitowoc, o que significa que assumiu todos os direitos e deveres da empresa original. Criou um plano de negócios, com oferta de compensação ao município e compromisso de investir e gerar emprego.
A prefeitura chegou a abrir negociações, mas recuou depois que o MPE levantou objeções. A principal é de que, como se trata de dinheiro público, seria preciso abrir oportunidades para eventuais outros interessados. A assessoria jurídica da PAR afirma aceitar essa solução, mas avisa que cobrará indenizações sobre seus investimentos até agora.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo