“A reforma tributária é do Congresso e será aquela com o melhor resultado técnico, dentro do que é politicamente viável”. A frase resume o embate atual no parlamento, foi repetida à exaustão pelo secretário extraordinário para o tema no Ministério da Fazenda, Bernard Appy e, agora, enfrenta o seu teste de fogo. Técnicos consultados pela coluna têm outra máxima: “a espinha dorsal da proposta não deve ser fragmentada, sob pena de contaminar as interpretações”.
Exemplo: para igualar a alíquotas de todos os produtos e serviços – retirando o fator imposto da composição dos preços na economia (hoje, itens similares têm cargas distintas) – as mais altas serão reduzidas e as mais baixas elevadas. Nesse ponto, se sustenta a crítica do setor de serviços (pouco onerado) e também o apoio da indústria (muito onerada). Outro: a afirmação de que o texto aumenta a carga, só acontece porque não há previsão de cumulatividade (o imposto é cobrado na ponta final). Ou seja, a arrecadação virá do tributo pago pelos consumidores, o que deverá aumentar alíquotas, mas não a carga tributária. Como pode?
Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Instituto Justiça Fiscal explica que não há cobrança nas demais etapas, diferentemente do que acontece hoje. É que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituto do ICMS (dos estados), e do ISS, (dos municípios) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que reunirá PIS/PASEP, Cofins e IPI (da União) serão uniformes e aplicados em todas as operações. A lógica é diminuir custos e compensar eventuais altas em alíquotas no consumo final. Por quê?
O economista, advogado e consultor do Banco Mundial, Eduardo Fleury, responde: porque a compra de alimentos, o plano de internet, de telefonia, as consultas médicas, a energia elétrica, mensalidades de escolas particulares, planos de saúde e qualquer outra hipótese estariam no mesmo bolo tributário. Com isso, pretende-se equalizar recursos arrecadados para reduzir desigualdades regionais. A ideia básica, esclarece o diretor da secretária especial, Rodrigo Orair, é manter a receita no local onde os consumidores efetivamente pagam o tributo, vivem e usam serviços públicos financiados por orçamentos municipais e estaduais.
Um parêntese: dos R$ 100 bilhões arrecadados em ISS, em 2022, na soma dos 5.568 municípios brasileiros, R$ 26 bilhões (26%), ficaram com a capital paulista, que possui 12,3 milhões de habitantes, segundo o último Censo, isto é, menos de 6% da população nacional (214 milhões, segundo o IBGE).
Distribuição das receitas está no centro das disputas
Sem as correções propostas pela reforma, por exemplo, a maior parte dos impostos incidente sobre todas as operações de cartão de crédito (R$ 2,1 trilhões na soma de 2022, relata a Abesc) permanecerá em São Paulo Capital ou em Barueri, município do interior daquele Estado que colocou em prática estratégia agressiva de isenção tributária.
Reequilibrar essa distribuição é um dos pilares em construção e, ao mesmo tempo, o calcanhar de Aquiles da reforma. Em cidades menos desenvolvidas, a arrecadação de ISS por habitante é de R$ 10. Em São Paulo chega próxima de R$ 1,2 mil. Por isso, liderados pelo governador de SP, Tarcísio de Freitas, alguns Estados querem espaço de decisão no Conselho Federativo. Trata-se do órgão que fará a gestão da arrecadação do IBS (ISS e ICMS) e dos repasses.
Sob a alegação de perda de autonomia, pressionado, o relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), recuou e admitiu alterações em uma das zonas sensíveis da tentativa de correção de rumos. Freitas e SP teriam, assim, maior poder de deliberação na partilha dos recursos, feita por uma Câmara de Compensação que tratará, entre outros critérios das operações interestaduais. A pergunta dos técnicos: como dar igual representatividade a que foi obtida por SP para cada uma das mais 5,5 mil cidades que estariam na gestão compartilhada do IBS no mesmo Conselho? Depois do aceno, é hora das respostas.