Parecia que toda a geopolítica global seria drasticamente alterada em um dos primeiros dias do verão no Hemisfério Norte. No entanto, a ameaça de golpe do líder do grupo militar Wagner, Yevgeny Prigozhin, foi arquivada com ajuda do fiel aliado ditador da Belarus, Alexander Lukashenko.
Nas horas de tensão que incluíram especulações de eventual guerra civil, chamou atenção o motivo do ensaio de rebelião: considerado neonazista, o grupo mercenário - que atua por pagamento - não divergia de ideologia ou estratégia de Putin: acusava seus comandados de roubar dinheiro público que deveria ser empregado no ataque à Ucrânia.
Não que seja novidade: mundo afora, o governo da Rússia é chamado de cleptocracia - um governo de ladrões. Tanto que os seus oligarcas - os poucos muito beneficiados pessoalmente pelo poder - foram um dos primeiros alvos das sanções da Europa depois da invasão da Ucrânia. Mas a exposição das motivações de uma pessoa reconhecidamente tão próxima de Putin ajudou a expor a situação.
Além do impacto interno na Rússia - a imagem do poder inabalável de Putin foi comprometida -, a grande pergunta depois do susto é qual será a reação da China. Analistas de imprensa destacaram um trecho de um jornal chinês que menciona que a sociedade russa estaria "ansiosa pelo fim da guerra". Assim como a Rússia é uma cleptocracia, a China é uma ditadura, ou seja, controla os meios de comunicação. Ainda que seja uma frase de um colunista, não é uma simples análise individual, nesse cenário.
A aproximação de Rússia e China é, depois da pandemia, o elemento mais transformador das relações internacionais no planeta. Condiciona decisões econômicas - do deslocamento da produção de volta aos países de origem ou para aliados ao maior interesse da União Europeia em se aproximar do Mercosul - a políticas. Não foi o terremoto que se chegou a temer, mas placas tectônicas e geopolíticas se moveram. O futuro do planeta depende de como vão se rearranjar. Na mais singela consequência, Putin perdeu um poderoso braço armado.
Atualização: depois da publicação inicial desta nota, chegou o informe da Rystad, uma consultoria especializada em petróleo. O texto assinado pelo vice-presidente sênior Jorge Leon lembra que, nos últimos 35 anos, "eventos geopolíticos" em grandes produtores de petróleo - caso da Rússia - aumentaram os preços do petróleo em 8% nos cinco dias depois do fato gerador. Conforme Leon, considerando a "aparente" curta duração do episódio, não há expectativa de grande elevação nas cotações ao longo da semana. Mas avalia que aumentou "o risco geopolítico em meio à instabilidade interna da Rússia". Por isso, projeta pequena elevação do barril de petróleo "caso a situação não se deteriore".
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