O jornalista Anderson Aires colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
O economista André Braz, coordenador do Índice de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destaca que a inflação engrena desaceleração. No entanto, cita necessidade de ambiente mais confortável no âmbito fiscal e dos serviços para corte no juro.
Indicadores recentes, como O IPCA-15 e IGP-M, registraram desaceleração ou queda. O que isso antecipa para o próximo dado de inflação?
Em geral, a mensagem tem sido de desaceleração dos preços. De descompressão das pressões inflacionárias. A parte que o IGP se comunica bem com o IPCA é exatamente a que antecipa os movimentos de alimentos e bens duráveis. Os alimentos em especial apresentam eventualmente alguma aceleração por choques sazonais, mas a tendência desse grupo para este ano é de desaceleração. Esse grupo ainda mostra uma taxa acumulada em 12 meses importante, grande, mas a tendência é que ela vá desacelerando, perdendo fôlego à medida que o ano vai avançando e que as safras vão sendo colhidas e garantindo preços mais baixos para os grãos, combinado também com uma demanda internacional um pouco mais fraca. Isso ajuda a conter um pouco o avanço dos preços nesse grupo que afeta as famílias de menor renda. Já os bens duráveis são produtos normalmente comprados pelas famílias via financiamento, como automóveis, eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos. Percebemos para esse grupo uma desaceleração mais aguda da inflação. E isso já vem sendo monitorado aqui pelos resultados do IGP. Então, se máquinas e equipamentos em geral caem de preço, isso contribui para a retomada da atividade mais rapidamente e também ajuda a conter um pouco o processo da inflação observada no varejo.
Qual o principal desafio para uma queda de preços mais sustentada no país?
Os serviços livres mostram a persistência inflacionária grande, uma resistência a uma desaceleração mais convincente da inflação. Isso porque aqui no Brasil tem indexação ainda muito forte, mesmo em preços livres. A gente vê isso no aluguel, na mensalidade escolar, na alimentação fora de casa e nas passagens aéreas. Seria de bom tom que a autoridade monetária contasse também com esse grupo, que compromete aproximadamente 30% do orçamento familiar, com uma desaceleração mais consistente.
A recente queda no preço do petróleo abre espaço para diminuir o peso dos combustíveis na inflação?
Se está abrindo espaço via queda nos preços do barril do petróleo para que a gasolina fique mais barata, isso pode compensar o restante da volta de cobrança dos impostos federais sobre a gasolina e a padronização do ICMS, que é o efeito mais forte. A gasolina pode ficar mais cara, mas menos do que a gente espera atualmente por essa chance que a gente tem via comportamento do petróleo, que pode provocar até uma compensação, uma redução no preço da gasolina no momento em que nós vamos ter duas altas eminentes.
A gasolina pode ficar mais cara, mas menos do que a gente espera atualmente por essa chance que a gente tem via comportamento do petróleo
Como a inflação dos alimentos vai afetar as famílias no segundo semestre?
Quando a gente observa o preço dos alimentos nesse momento, eles ainda guardam uma inflação, uma parte da alta do ano passado. Isso ainda coloca a inflação de alimentos como uma grande vilã. Mas a tendência é de que isso diminua à medida que os meses avançam, porque as previsões de safra são boas. À medida que a oferta de alimentos, principalmente da cesta básica, aumenta, a gente tem espaço para ter preços mais competitivos. Vamos começar a perceber não exatamente uma queda do preço dos alimentos, mas uma estabilidade maior. Então, essa estabilidade pode fazer com que a inflação esperada para esse grupo no final do ano fique em torno de 3%. Quer dizer, em termos reais, que não haveria inflação para alimentação. Porque se a média vai ficar em torno de 6% e a alimentação pela nossa expectativa suba 3%, metade, isso quer dizer que alimentação vai perder para inflação. Então, não vai onerar muito o orçamento familiar.
O ideal seria que a gente tivesse queda no preço dos alimentos e talvez alguns alimentos importantes até registrem queda em 2023, mas já vai ser um grande alívio se eles pararem de subir. Já vai propiciar alguma recuperação do poder de compra das famílias.
O senhor avalia que a inflação do país é mais pelo lado do custo, da demanda?
Concordo, mas tenho de lembrar que a demanda, às vezes, não é só a demanda brasileira, é a demanda internacional. Se o mundo está demandando mais num período, num contexto de recuperação isso pode influenciar preços aqui no Brasil. A economia é globalizada. Mas a gente não tem uma demanda forte aqui, porque os salários foram muito afetados, o desemprego aumentou muito durante a pandemia. A gente recuperou um pouco, o mercado de trabalho mostra algum sinal de recuperação, mostrou algum sinal de recuperação e agora anda de lado, sem grandes novidades, com o desemprego mais em torno de 9%, taxa que pode até crescer na direção de 9,5% nos próximos meses. Ainda é um desemprego alto e uma economia pouco aquecida para a gente atribuir à demanda a culpa pela inflação que nós vivemos hoje. Realmente tem uma inflação mais orientada pela oferta do que pela demanda, mas a gente não pode chutar a demanda para o lado, porque às vezes não é a nossa demanda que influencia, mas a de outros parceiros.
Então, é mais ou menos assim, se a China volta a comprar muita carne aqui no Brasil, isso é uma demanda chinesa que está em aceleração para carne. Um interesse maior para carne. E isso indiretamente faz o preço da carne aumentar aqui. Mas não foi a demanda do brasileiro que fez o preço da carne aumentar, foi a dos países asiáticos. Então a demanda tem essa responsabilidade no avanço dos preços. Mas não exatamente no âmbito doméstico.
E o peso da inadimplência alta e da renda média prejudicada?
A maior preocupação não é o endividamento. É o aumento da incapacidade das famílias pagarem suas dívidas. Porque, quando o endividamento aumenta, significa que tem havido uma expansão de crédito e interesse maior das famílias consumirem. E nesse contexto a gente teria uma dificuldade maior de conter a inflação, porque a demanda estaria crescendo. Mas a questão agora é a inadimplência, o indivíduo já está endividado e não tem condições de pagar a dívida. Aí é grave e, nesse sentido, isso pode ser por um lado ruim. Mas isso pode acabar ajudando a conter a inflação. Se eu estou endividado e ainda estou com incapacidade de pagar a minha dívida, isso significa que eu vou consumir menos. Se vou consumir menos, também contribuo para que os preços não mudem muito rapidamente. Não pela razão que a gente gostaria, mas sim por uma situação econômica que se agrava, com previsões de crescimento muito pequenas do PIB para esse ano. A gente acaba gerando um freio para o processo inflacionário.
Como a nova estiagem deve afetar os preços em solo gaúcho?
Dependendo da cultura que for afetada, isso pode gerar uma pressão inflacionária maior próxima à área que sofre com a estiagem. É claro que o território nacional é muito grande. Enquanto você tem uma estiagem numa área, você pode ter uma safra melhor em outra que tipicamente não tem tantas safras boas. Então, uma coisa acabaria compensando a outra, analisando a produção de grãos no Brasil como um todo. Mas problemas locais podem afetar a inflação da região que vive a seca.
O trabalho do Banco Central é ingrato. O Banco Central é técnico. Existe sempre um embate entre a vontade política e a técnica. Mas a técnica deve prevalecer
O Banco Central age certo ao manter a Selic no patamar atual?
O trabalho do Banco Central é ingrato. O Banco Central é técnico. Existe sempre um embate entre a vontade política e a técnica. Mas a técnica deve prevalecer porque a responsabilidade é grande. Uma inflação alta acaba sendo um imposto para as famílias mais pobres. A renda do mais rico também é corroída pela inflação, mas ele se refugia no mercado financeiro para compensar essa perda. Agora, o mais pobre não. O mais pobre não tem acesso ao sistema financeiro, não tem renda para poupar. Ele de fato sente todo o efeito da inflação sem ter como se proteger. A prioridade é conter a inflação para que isso aumente o poder de compra dos menos favorecidos que precisam minimamente comer. Na minha opinião, a autoridade monetária está certa em ser mais cautelosa nessa questão de queda de juro, protegendo aqueles que o governo diz querer proteger, que são os menos favorecidos.
Se de qualquer maneira o processo inflacionário avança muito, quem deixa de comer? Quem tem a sua cesta de consumo mais afetada? São os menos favorecidos. A gente precisa de fato manter esse juro alto por mais tempo. Acho que também falta pouco pra autoridade monetária chegar ao ponto de ter o conforto de começar a cortar juros. Isso deve acontecer ainda dentro de 2023, lá para setembro, quem sabe. É um processo que vai ser duradouro. Quer dizer, a autoridade monetária vai cortar com confiança e vai cortar consecutivamente. Mas é necessário esperar um pouco mais para que o que gera desconforto atualmente, que são os preços, principalmente de serviços, comecem a desacelerar. E já tem alguma indicação que isso está acontecendo. Os núcleos que medem a inflação subjacente estão altos, mas já em desaceleração há alguns meses. Precisamos esperar um pouquinho mais. Ter um pouquinho mais de paciência. Mas o discurso político não conversa bem com o discurso econômico e a gente precisa ter um pouco de paciência e sangue frio porque todos querem sempre o melhor para a população menos protegida.
A versão final do marco fiscal ajuda o BC nesse processo?
Vai ajudar porque o desequilíbrio fiscal mexe com toda a economia, inclusive com a taxa de câmbio. A gente acompanha nesse momento uma valorização do real frente ao dólar. Isso é bom porque boa parte dos produtos que a gente importa ficam mais baratos e sem que o Brasil perca a sua competitividade. Porque se a gente sofre uma valorização muito forte e repentina, isso também não é bom para nossa pauta de exportações, porque a nossa moeda perde competitividade, a gente perde a capacidade de exportar e de ganhar dólares com essas exportações. Mas o equilíbrio fiscal é fundamental para a reputação do país. Um país com uma reputação mais forte recebe investimentos não em busca de especulação, pelo diferencial de juros, mas sim interessados em investir na atividade produtiva. É fundamental que a gente não só honre, não só respeite o arcabouço fiscal, mas que também o governo tenha transparência ao apresentar suas fontes de financiamento. E honre isso da melhor maneira possível, porque vai mostrar que de fato está comprometido em equilibrar suas contas, em diminuir o risco país e atrair com isso bons investimentos.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo