O maior feito do governo Lula, até agora, é a já antológica resposta institucional aos ataques à democracia do dia 8 de janeiro de 2023, que ser tornou data a lamentar no calendário.
Mas se a garantia democrática uniu os três poderes e todos os governadores apenas sete dias depois da posse, passando muito bem por um teste descomunal, após cem dias o Congresso segue em impasse. Embora não tenha sido causado pelo governo, acaba retardando a pauta legislativa como um todo e a econômica em particular, com o marco fiscal quase pronto para ir ao exame de Câmara e Senado.
Nesta segunda-feira (10), no discurso que marcou seus primeiros cem dias no cargo, o presidente deu uma sinalização muito importante na economia: fez um elogio público a seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Disse ter certeza de que sua proposta de arcabouço fiscal "vai colher os frutos que foram plantados" e será aprovada.
A Lula também é atribuído o apelo para que a proposta não fosse atacada por fogo amigo. Claro, houve tiroteio no mercado. Não foram disparos de arrasar quarteirão, mas foram levantados pontos sobre os quais há dúvidas - se a projeção de superávit primário já para 2024 é suficiente para estabilizar a dívida pública e se é possível alcançar o nível de arrecadação do qual depende o sucesso da ferramenta.
Mas o "sentimento" geral no mercado sobre as regras é de certo alívio, causado mais pelo temor que o próprio Lula disseminou no mercado com declarações sob medida para seu eleitorado, mas causadoras de muito ruído nos indicadores de risco (dólar e juro) e de oportunidade (bolsa). Por isso foi importante a frase do presidente sobre o marco fiscal. Dessa forma, chancela a proposta que, embora possa ser aperfeiçoada, estabelece um caminho crível para evitar o superendividamento e, em consequência, superinflação.
Ainda na eleição, sem se saber qual seria o presidente eleito, economista advertiam que 2023 seria um "abacaxi" por força da retração externa, do desarranjo das cadeias globais de produção e do prolongamento da guerra entre Rússia e Ucrânia. Portanto, Lula tinha obrigação de saber que precisaria atuar em um cenário adverso.
Tentar terceirizar a responsabilidade ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, não só não ajuda como atrapalha. E nesta segunda-feira (10), voltou a insistir, ao menos sem fulanização. Fará melhor se, daqui em diante, fizer como sinalizou ainda na semana passada em relação a seu antecessor e ao arquiinimigo Sergio Moro: entender que, ao fazer críticas diretas, empodera o criticado. Aliás, a versão de Lula irritada e agressiva tem aparecido mais do que a prometida união nacional que prometeu durante a campanha.
Outra lição importante desses primeiros cem dias é de comunicação: desde as cerimônias de transmissão de cargo (mais simbólicas do que efetivas), ministros acenam com ideias mirabolantes que estressam mercado e cidadãos desnecessariamente. Lula já fez duas reuniões com propósito de sinalizar que "genialidades" precisam passar por análise interna antes de serem anunciadas. Em início de governo, esse bate-cabeça é tolerável. Mas caso comece a ser repetir, será diferente. Passaram os primeiros cem dias e sua trégua tácita. Poderiam ter entregue mais, mesmo no cenário de dificuldades herdado do antecessor.