A síndrome do "mundo que só começa no início de mandato" contagiou o plano do governo Lula de disciplinar as compras em sites estrangeiros.
A cobrança de imposto prevista em lei desde 1999 acabou sendo chamada de "nova taxa", quando não é, mas ao tomar a decisão de fechar uma brecha era preciso contar com seu efeito: os preços vão subir.
E o resultado óbvio em um país com inflação e juros altos, com perda de renda real e nominal, é uma onda de rejeição. Para quem tem de sortear os boletos que vai quitar no mês, o discurso de "sonegação virtual" e de desestímulo à criação de empregos no país já teria pouco efeito se tivesse sido bem-feita. E não foi.
Se fez tudo certo no anúncio do marco fiscal - assunto delicado no mercado financeiro - o governo Lula fez quase tudo errado ao tomar a decisão de terminar com a isenção sobre compras de até US$ 50 feitas no Exterior entre pessoas físicas. O tema dói no bolso de uma classe média atraída por preços mais baixos para sites como Alibaba, Shein, Shopee e uma multidão de nomes exóticos que pulula nas redes sociais e compra desses grandes marketplaces (shoppings virtuais) e revende na internet.
É verdade que, nesse caso, a imprensa pouco ajudou. Houve até especulações de que os objetos remetidos poderiam ser fiscalizados fisicamente - o que é totalmente inviável. Até por ser um assunto popular, a falta de compreensão sobre a mudança ajudou a criar confusão. Mas, de novo, porque o assunto foi descuidado, assim como sua óbvia - bastava ter prestado atenção ao que ocorreu antes, quando o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou, e o então presidente Jair Bolsonaro barrou, por impopularidade - repercussão negativa.
O fim da isenção ainda não tem carimbo oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas até a primeira-dama Janja Lula da Silva achou conveniente interferir no assunto, e acabou jogando contra (publicou em redes sociais que a taxa seria para as empresas, mas não é).
O que já está marcado para 1º de julho um aperto na fiscalização: os Correios e transportadores privados terão de encaminhar à Receita, antes de qualquer remessa ao Brasil, um formulário com informações do comprador, como CPF, valor da compra e descrição completa do conteúdo. As grandes plataformas, por sua vez, terão de encaminhar esses dados aos intermediários. É muita burocracia, mas nada parecido com vistoria pacote a pacote.
Atualização: sintoma do ruído na comunicação do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu entrevista à Globonews - desde a China - na manhã desta quinta-feira (13). Disse que há "confusão e desinformação", reiterou que "ninguém está pensando em aumentar imposto". Segundo Haddad, as empresas estão reclamando de "concorrência desleal por parte de alguns sites, não de todos", o que está sendo investigado e "pode ser coibido".
Para entender a taxação dos sites estrangeiros
Uma regra da Receita Federal de 1999 e ainda em vigor isenta de pagamento de imposto de importação a compra no Exterior de produtos que custam até US$ 50 (hoje, pouco menos de R$ 250, com o dólar abaixo de R$ 5) entre pessoas físicas.
O problema é que sites informais, com menor visibilidade, estão usando essa liberalização para fazer compras nos grandes marketplaces usando CPFs, em vez de CNPJs, e movimentando grandes valores.
Conforme informações da Receita, um dos "CFPs" mais usados por sites estrangeiros é o de Jackie Chan, um suposto homônimo brasileiro do famoso ator chinês.
Com o fim da isenção pretendido pelo atual governo, a cobrança de imposto de 60% sobre o total da remessa (valor do produto mais o frete) passará a ser feita mesmo que as remessas sejam feitas de pessoa a pessoa. Isso significa que qualquer produto ficará 60% mais caro.
Hoje, isso não acontece porque a fiscalização é feita por amostragem. Em bom português, isso significa que o pagamento é "por sorteio".
Portanto, a maioria das compras feitas por esses sites, hoje, é realmente "sonegação virtual". Esse tipo de ilícito prejudica o comércio e a indústria nacionais, porque inunda o Brasil de produtos estrangeiros vendido por sites estrangeiros.
Desde 2021, o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), aponta que o Brasil deixa de arrecadar entre R$ 95 bilhões e R$ 125 bilhões em impostos no varejo - neste total, estão computadas as sonegações reais e virtuais. Nas contas do governo, a dos sites estrangeiros estaria entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões.