Uma publicação nas redes sociais que mostra uma rua deserta em Cambará do Sul, nos Campos de Cima da Serra, gerou debate sobre a relação desse cenário com os preços dos ingressos nos parques nacionais da Serra Geral e dos Aparados da Serra, que chegam a R$ 94.
A coluna ouviu representantes do setor de turismo para entender se, de fato, há relação de causa e efeito. A questão divide opiniões entre os empreendedores da região. Segundo Giovane Klippel, à frente da Associação de Empreendedores Turísticos de Cambará do Sul (Aeturcs), a redução no volume de turistas chega a 50% em relação ao período pré-concessão.
— Vejo o valor dos ingressos como o fator principal. É muito alto em relação à estrutura ofertada. Futuramente, quando realizar melhorias nas estradas e no espaço interno dos parques, a empresa até poderia cobrar esse preço. Agora, teria de ser um valor mais acessível — avalia.
Klippel pontua que, diante da situação, há empreendedores optando por encerrar suas atividades:
— Tem 'muita gente' sentindo a falta de turistas na cidade. Alguns comerciantes estão fechando as portas ou transferindo seu negócio para outras cidades.
É o caso da Padaria e Confeitaria Dois Irmãos, que fica no centro do município. Segundo a proprietária do negócio, Suzana da Silva, os sócios já cogitaram da hipótese de levar o negócio a outro município:
— Até pensamos nisso, mas resolvemos aguardar (o retorno do movimento) mais um pouco, pois somos uma empresa familiar. A queda de público começou quando que houve o primeiro aumento no preço do ingresso e foi para R$ 94. O impacto foi total.
Suzana pontua que a empresa parou de receber integrantes de excursões do tipo "bate-e- volta", que preveem apenas um passeio durante o dia nos parques, sem pernoite.
— Em média, recebíamos por final de semana oito ônibus com visitantes. Atualmente, não tem tido excursão desse tipo — lamenta.
Os dois parques, que formam a divisa natural entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, tem área total de 30,4 mil hectares. Os cânions Itaimbezinho e Fortaleza, além do Rio do Boi (no Estado vizinho) são os grandes destaques.
No site da Urbia Parques, empresa responsável pela gestão da visitação aos parques, é possível efetuar a compra de ingressos. Um bilhete para visitar os cânions Fortaleza e Itaimbezinho custa R$ 94 para adultos e R$ 65 para idosos. Ainda há outras modalidades de ingressos, como "para atletas", no valor de R$ 35. Crianças até cinco anos não pagam. O valor inteiro dá direito a três acessos no período de sete dias.
Na avaliação de Emiliano Fernandes Brugnera, gestor de marketing do Cambará Eco Hotel, a cobrança de ingresso não é o problema, mas sim a falta de "flexibilidade" da concessionária. Relata uma "leve queda" no movimento.
— Quem está acostumado a viajar sabe que há um custo. Porém, o valor de R$ 94 pode estar um pouco fora do padrão no momento. Por exemplo, se uma família com dois adultos e duas crianças com mais de cinco anos quer conhecer os parques, têm de desembolsar quase R$ 400 só em ingressos. Talvez uma meia entrada ou um combo familiar já ajudassem — sugere.
Apesar de a Associação de Empreendedores Turísticos de Cambará do Sul (Aeturcs) relacionar a queda de movimento ao preço dos ingressos, a secretária da instituição e proprietária da pousada Vista do Vale Chalés, Kelly Castan, discorda do posicionamento. Kelly acompanhou todo o processo de concessão dos parques, pois ocupava o cargo de presidente da Aeturcs. Para ela, vários fatores influenciam na queda de movimento no município. Entretanto, o "grande vilão" é o estado de conservação das estradas.
— Acho R$ 94 um valor alto, mas compensa, pois são três entradas. A intenção é que as pessoas fiquem mais tempo na cidade. O que mais impacta é o estado das estradas. Quando o parque foi concessionado, o governo estadual se comprometeu a pavimentar a ERS-427, que liga Cambará do Sul ao Itaimbezinho, mas isso ainda não ocorreu.
Segundo ela, a visão de que a concessão atrapalha o turismo da cidade é "muito simplista":
— O número de empreendimentos cresceu após o anúncio da concessão, mas é preciso estar preparado para receber turistas. Com as estradas na condição em que se encontraram, o progresso não vai vir para cá.
Em nota, o empreendimento Cabana Brisa Dos Canyons discorda da avaliação de que a cobrança de ingresso tem afetado a cidade. A empresa relaciona a diminuição de turistas à pandemia, pois "atualmente, o público prefere frequentar praias e eventos fechados, pois isso não foi possível durante o período de isolamento social".
O que diz a concessionária
A coluna procurou a Urbia para esclarecer os critérios são adotados na cobrança de ingressos. Em nota, a empresa informou que já investiu, desde o início da concessão, cerca de R$ 20 milhões em limpeza, manutenção, segurança, vigilância, acessibilidade, alimentação e serviços, entre outras melhorias. Neste ano, vai investir outros R$ 24 milhões nos parques.
Segundo a empresa, com o início da concessão, os parques "passaram a contribuir na geração de impostos, somando cerca de R$ 120 mil mensais aos cofres públicos". A Urbia argumenta que cobrança no valor atual está prevista no edital de licitação lançado pelo ICMBio para somente um dia de visitação, mas oferece até três acessos em sete dias.
Na avaliação da Urbia, a modalidade "incentiva a longa permanência no destino" mudança que deverá ser sentida "por toda a região no médio prazo". A empresa também identifica as condições das estradas de acesso aos parques como o principal obstáculo à visitação. Questionada se os empreendedores locais entraram em contato para questionar o valor dos ingressos, a empresa não respondeu.
Confira a publicação:
* Colaborou Camila Silva