Atividades econômicas sem responsabilidade social e ambiental estão se tornando obsoletas. Práticas ESG (governança corporativa, social e ambiental) não são "uma moda" porque envolvem o mesmo tipo de transformação que digitaliza negócios e interações pessoais. Baseada na definição de que inovação não é só tecnologia, mas também diversidade e inclusão, a coluna começa uma nova série (ou seção, hehe): ESG na prática. Sugestões podem ser enviadas para os e-mails camila.silva@zerohora.com.br e marta.sfredo@zerohora.com.br.
Conhecimento jurídico empodera mulheres. Essa ideia é a base da operação do escritório comandado pela advogada Gabriela Souza, de Porto Alegre. Há quase seis anos, a profissional decidiu empreender unindo seus valores pessoais à profissão e criou o primeiro escritório do sul do país especializado no atendimento a mulheres.
De lá para cá, 50 mil mulheres já foram alcançadas de alguma forma, incluindo clientes, alunas e quem acompanha a atuação de Gabriela por meio das redes sociais. Somente no ano passado, 700 foram atendidas no escritório.
Em 2017, Gabriela pediu demissão do escritório em que trabalhava e usou o dinheiro da rescisão para investir no seu projeto. Conta que a decisão recebeu apoio de amigos e familiares, que consideraram a mudança de carreira "óbvia" diante do seu perfil:
— O escritório surgiu como consequência de um amadurecimento pessoal sobre feminismo. O espaço jurídico tradicional ainda é comandado por uma figura masculina, engravatada, que está sentada em um sofá de couro: isso afasta as mulheres. Por isso, eu criei um modelo de escritório focado nesse atendimento.
Descreve o local de trabalho, que fica no centro de Porto Alegre, como "um local de fomento do conhecimento feminista jurídico".
— É um escritório de advocacia, mas não é um lugar de exercício de poder. Juntas, nós encontramos, muitas vezes por meio da dor, uma saída. Não se trata exclusivamente de ganhar um processo ou não, mas sim de regular um desnível de poder — afirma.
Se, por um lado, mulheres se sentem encorajadas ao constatar que o escritório atua com perspectiva de gênero. Por outro, alguns homens se sentem afetados, relata a advogada. Gabriela conta que precisou contratar seguranças após ter sofrido ameaças:
— Desde que abri o escritório, incomodo muito, já fui ameaçada de morte, tive duas medidas protetivas . Uma está em vigor atualmente. Uma das ameaças me obrigou a mudar minha vida drasticamente. Fui inocente, subestimei o fato de que estava mexendo em um vespeiro. Ser mulher é um ato político.
Gabriela também é sócia-proprietária da Escola Brasileira de Direito para Mulheres (EBDM), que oferece capacitação para profissionais atenderem outras mulheres por meio de cursos, palestras e materiais complementares. Entre as principais demandas, estão atendimento a mulheres vítimas de violência doméstica, assédio sexual, violência obstétrica e vazamento de imagens íntimas.
A advogada se orgulha de ser uma das pioneiras do segmento no país e já identifica alguns avanços desde que abriu o escritório, como o Protocolo para Julgamento com Perspectiva
de Gênero, que foi desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e divulgado em outubro de 2021.
O documento foi elaborado por um grupo de trabalho composto por 21 pessoas, com o objetivo de servir como um guia para o trabalho dos magistrados desde a primeira aproximação com o processo, com os sujeitos processuais, até a interpretação e aplicação
do direito.
— Uma ação jurídica é um trabalho individual, mas que tem um potencial coletivo. À medida que a gente começa a questionar o sistema patriarcal e machista, acontecem as mudanças — finaliza.
* Colaborou Camila Silva