O que deveria ser uma urgência virou novela que se arrasta ao sabor dos interesses eleitorais. O veto do ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso ao reajuste previsto em proposta de emenda constitucional deixou sem resposta uma categoria que trabalhou sem descanso na pandemia.
Em vez de buscar soluções, os dois adversários que lideram as pesquisas de intenção de voto preferiram acusar-se mutuamente pelo impasse. Uma certa Loteria da Saúde deveria ter bancado o piso, mas como ainda não existe, o futuro do pagamento é que virou loteria, ou seja, uma questão de "sorte".
O piso vinha sendo discutido no Congresso mas, por gerar despesa, não poderia ser sancionado caso fosse aprovado por ter o chamado "vício de origem", ou seja, por representar um gasto extra sem a correspondente receita. Aí, surgiu a milagrosa solução da proposta de emenda constitucional (PEC) fazer o assunto avançar. Parada para pensar: que país é esse que estipula piso de categoria profissional via PEC? Há distorções ainda maiores, inclusive a que tem permitindo aprovar qualquer PEC no Congresso, o orçamento secreto, mas nunca se viu algo semelhante.
Votando ao caso: sem saber de onde tirar recursos para bancar o novo piso, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS) apresentou recurso ao STF porque, afinal, o assunto virou constitucional graças à gambiarra orçamentária do Congresso. Barroso decidiu suspender porque, de seu ponto de vista, a entidade apresentou "alegações plausíveis" sobre o risco de "demissões em massa" com a aplicação do piso.
Nas redes bolsonaristas, outro CNS, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), vinculado ao Ministério da Saúde (MS), foi "culpado" pela ação. Como seu presidente é identificado ao PT, pronto: Lula barrou o reajuste da enfermagem. Em contas petistas, houve associação do obstáculo ao pagamento do reajuste ao presidente Jair Bolsonaro, a quem interessaria muito, a essa altura, "ficar bem" com a categoria, que tem muitos eleitores.
No Planalto, a posição é olímpica: não haveria necessidade de compensar o aumento de gastos porque os profissionais são contratados como terceirizados ou já recebem acima de R$ 4.750. O problema é que a maior conta será paga por Estados e municípios. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima o custo em R$ 9,4 bilhões só para prefeituras.
Barroso deu 60 dias para que todos os envolvidos — ministérios de Trabalho e Saúde incluídos — se manifestem sobre a possibilidade de bancar o piso e já avisou que, até que a situação se esclareça, vale a suspensão. Conforme o conselho profissional do segmento, Cofen, havia 624.910 enfermeiras e enfermeiros no Brasil no ano passado. Considerando que a regra também contempla técnicos e auxiliares de enfermagem, com percentuais do piso principal, o número sobe a 2,5 milhões. É uma fatia considerável de votos.