Tão surpreendente quanto o levantamento que apontou que 51 dos 107 imóveis negociados pela família desde 1990 foram pagos, total ou parcialmente, com dinheiro vivo, foi a reação do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) ao ser questionado sobre o assunto:
— Qual o problema comprar com dinheiro vivo algum imóvel?
A coluna não fará juízo de valor sobre a intensa atividade imobiliária que, como sugeriu o próprio Bolsonaro, deve ser investigada. Mas vai tentar responder à pergunta do presidente candidato à reeleição que bate forte na corrupção. Em primeiro lugar, quitar parcial ou totalmente um imóvel "em moeda corrente nacional" não é ilegal. Mas se pagar dessa forma uma conta cotidiana, de café a restaurante, já é uma prática em desuso, usar boa parte de cédulas de reais para bancar ao menos parte de uma transação desse tipo sempre levanta sobrancelhas.
Transações com dinheiro vivo embutem interrogações que vão da origem do dinheiro - seria lícita? — à prestação de contas ao Fisco — será declarado? Quando uma operação de compra e venda passa pelo sistema financeiro, deixa um rastro. Quando esse registro é evitado, é muito mais difícil de mapear origem e destino do bem.
O que passa pelo sistema financeiro pode parar no radar do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), criado em março de 1988. O órgão não surgiu de política pública nacional, mas da pressão internacional contra a lavagem de dinheiro, com foco principalmente em uso em atividades ilícitas.
Como consta em documento do site do Coaf, ligado ao governo federal (clique aqui para ver o original), o órgão integra o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
Entre as normas do Gafi, uma aponta que "a falta de transparência com relação à titularidade e controle de pessoas jurídicas e outras estruturas ou com relação às partes responsáveis por transferências eletrônicas faz com que sejam vulneráveis ao mau uso por criminosos e terroristas".
Outro foco do Gafi são as pessoas politicamente expostas — quem atua em alguma organização minimamente formal já teve de responder algum formulário que inclui uma consulta sobre essa condição. A diretriz é exigir "diligência devida melhorada" a esse grupo, que, conforme o órgão internacional, pode "representar um risco maior de corrupção devido às posições que ocupa".
Na lista de proprietários desses imóveis, há outros três detentores de mandato, todos "pessoas politicamente expostas". Por qualquer critério de obediência à lei (o famoso "compliance"), deveriam ter ainda mais zelo com o registro de suas atividades financeiras.