Na virada do semestre, a Rússia entrou em default (deixou de pagar parte da dívida pública do país) pela primeira vez desde 1998. Sri Lanka, uma pequena ilha ao sul da Índia, descumpriu compromissos com credores pela primeira vez em sua história.
Nos dois casos, a guerra foi determinante para a inadimplência. No caso da Rússia, as sanções econômicas foram determinantes. Em Sri Lanka, gastos em dólar com a compra de combustíveis afetaram a poupança em dólar. Agora, analistas globais trocam listas sobre supostos próximos candidatos ao calote. Na América do Sul, Argentina e Venezuela estão em alerta vermelho, mas há sinal amarelo também para Brasil, Chile, Colômbia e Peru.
Como no caso da Rússia, a escassez de dólares é o caminho mais curto para o calote. Por isso, o Brasil, com suas reservas cambiais de US$ 346,85 bilhões (em abril, dado mais recente disponível no Banco Central), é visto como um país de risco, mas baixo. O problema é que há também um caminho mais longo, o do aumento das despesas como no caso da PEC dos Benefícios (ou Kamikaze, ou Eleitoral), além da multiplicação provocada por alta do juro.
Conforme projeções do Banco Central (BC), a alta na Selic de 9,25% para 12,75% no ano até agora eleva a dívida pública nacional em R$ 117 bilhões ao longo de 12 meses. Isso corresponde a mais do que o dobro dos gastos extras previstos na PEC, incluindo os novos penduricalhos planejados na Câmara dos Deputados, o que provoca resistência - enfim - no Ministério da Economia.
Depois da crise de 1998/1999, quando o Brasil foi obrigado a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em busca de financiamento, exatamente por não ter dólares suficientes para bancar seus compromissos, o BC adotou uma estratégia de elevar as reservas em moeda estrangeira.
Na série histórica que começa em 1998, a poupança em dólar saiu de US$ 60 bilhões para cerca de US$ 350 bilhões em valores nominais (sem correção pela inflação). Mas nesse período, houve encolhimento das reservas para o piso de US$ 27,5 bilhões, no início de 2000, e o máximo de US$ 389,43 bilhões, em 2019.
A combinação de gastos extras com a pandemia com a inflação gerada no período criou um quadro global semelhante ao da crise financeira de 2008. Para tentar conter os estragos da covid-19, os países injetaram bilhões na economia e acumularam dívidas. Aí veio a inflação e foi preciso subir o juro, o que voltou a elevar o endividamento.
Além do muro de dólares, o Brasil tem dois fatores de proteção ao temido novo ciclo de calotes de dívidas pelo mundo: produz a maior parte do petróleo que consome e tem a maior parte dos compromissos em reais, ou seja, a dívida interna é maior do que a externa. Isso não impediu, no entanto, que o risco medido em Credit Default Swaps (CDS) disparasse cerca de 30% no mês passado.