Nascido em Estocolmo, na Suécia, em 1973, Johan Norberg é um dos participantes da edição 2022 do Fórum da Liberdade. Autodefinido como "liberal clássico", focou seus estudos na globalização econômica, e suas posições pessoais, na defesa do capitalismo. Esse é o tema de um de seus primeiros livros, Em Defesa do Capitalismo Global (2001). Tem outras obras, das quais a mais recente é Open: The Story of Human Progress (Aberto: a História do Progresso Humano), que ele cita nesta entrevista feita para publicação na seção Com a Palavra, do caderno DOC, para tentar explicar o que está ocorrendo na Europa desde o ataque da Rússia à Ucrânia. Desde 2007, é pesquisador sênior do Instituto Cato. Norberg fez vários documentários e protagonizou a série Dead Wrong (algo como "Muito Errado"), em que se dedica, de seu ponto de vista liberal, a contrariar sensos comuns. Desafiado a escolher qual é o maior risco ao capitalismo, se socialismo e comunismo ou as ameaças à democracia, não hesitou:
– Forças que ameaçam a democracia, as regras legais e a liberdade de expressão não são só destrutivas. São uma sentença de morte.
Quanto os suecos estão preocupados sobre os movimentos bélicos da Rússia? Quando estive em Estocolmo, há quase sete anos, o primeiro-ministro da época já expressava temor em relação a manobras russas no Mar Báltico, imagino o nível de estresse atual.
É, esse tema tem dominado as mentes e os debates aqui. Transitou de uma preocupação genérica com a qual convivemos por anos, por saber que havia um potencial adversário agressivo do outro lado do Mar Báltico, para grave emergência, com a percepção de que qualquer coisa pode acontecer. Existe shellshock (expressão em inglês usada para descrever o impacto psicológico causado pela exposição a uma situação de guerra).
Você fala em "shellshock" e "grave emergência", mas a sensação é de perigo real e imediato ou é ameaça?
Não há uma preocupação de que algo possa ocorrer na Suécia de imediato, não é esse tipo de medo, mas uma percepção de que pode acontecer na Europa e compromete nosso futuro, então é mais sobre como podemos nos proteger. Então, acredito que os suecos pensem que essa é a nossa luta também. E que provavelmente não é seguro ficar fora da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Como está o debate no país sobre entrar ou não na Otan?
As pesquisas mostram uma mudança muito forte nas opiniões desde a invasão (da Ucrânia). Agora, pela primeira vez, é seguro dizer que a maioria dos suecos avalia que é melhor entrar na Otan, especialmente se a Finlândia aderir. Nesse caso, 60% dos suecos avalia é é melhor entrar. E rapidamente, então isso pode ocorrer antes do verão (que começa em junho no Hemisfério Norte).
Putin fracassou em seu objetivo principal, que era dividir a Europa e o Ocidente e manter a Otan longe. Agora, todos os países interpretam o que está acontecendo como "preciso ser membro da Otan, caso contrário eles podem nos invadir".
É difícil acreditar no que está acontecendo...
Exato. Então, em outras palavras, (Vladimir) Putin (presidente da Rússia) definitivamente fracassou em seu objetivo principal, que era dividir a Europa e o Ocidente e manter a Otan longe. Agora, todos os países interpretam o que está acontecendo como "preciso ser membro da Otan, caso contrário eles podem nos invadir". É dramático. De certo modo, esse temor é de longo prazo, sobre os próximos anos. Mas, ao mesmo tempo, a máquina militar russa na Ucrânia não impressionou nenhum estrategista. Não está tão sincronizada e treinada quanto temíamos, então, se não conseguiram vencer na Ucrânia, não conseguiriam fazê-lo em qualquer outro lugar no curto prazo. Mas, no longo prazo, é um poder muito agressivo, que pode fazer qualquer coisa. São duas lições ao mesmo tempo.
Você fez um documentário chamado Suécia: Lições para a América. Hoje, tem lições a sugerir ao Brasil?
Depende para qual Brasil (risos). Muitos países de renda média, como o Brasil, pensam que querem se tornar como a Suécia, ou a Dinamarca. Gostariam de ter a riqueza ou a estabilidade política que temos. A lição mais importante é: não imite o que somos agora, nem o que a Suécia fez depois de se tornar um dos países mais ricos do planeta. Imite o que fizemos para chegar lá. Não é possível adotar o sistema de bem-estar social, a redistribuição de riquezas, antes de atingir um determinado nível de riqueza. É preciso, antes, trabalhar com mercados competitivos, com negócios competitivos.
Algumas pessoas dizem que, agora, será preciso repatriar toda a produção, mas acredito que deveria ocorrer o oposto. Os países deveriam apostar em cadeias de suprimento mais diversificadas, para proteger os equipamentos que necessitam fazer em outros lugares.
Como especialista em globalização, como vê os impactos da pandemia, da guerra e das sanções econômicas à Rússia na interdependência produtiva?
Sim, muitos previram o fim da globalização, mas ainda não aconteceu. Essa previsão foi feita durante a crise financeira (2008/2009), no Brexit, com (Donald) Trump, com as guerras comerciais, com a pandemia. E até agora, sim, temos um choque no sistema, mas considero que as cadeias de suprimento reagiram muitíssimo bem. Tivemos escassez, muitos problemas. mas reconstruímos a cadeia de suprimentos para reagir ao aumento da demanda provocado pelos pacotes de estímulos. Empresas reconstruíram suas redes comerciais. Claro, houve gargalos, mas o mundo reagiu surpreendentemente bem. Não posso prever o que vai ocorrer politicamente, o que será decidido, mas a questão é por que precisamos de globalização. Algumas pessoas dizem que, agora, será preciso repatriar toda a produção, mas acredito que deveria ocorrer o oposto. Os países deveriam apostar em cadeias de suprimento mais diversificadas, para proteger os equipamentos que necessitam fazer em outros lugares. É o que todos sabem: não se pode colocar todos os ovos na mesma cesta. Nesse momentos de crise, o melhor é diversificar a produção também, para várias localizações. Eu não desistiria da globalização, ainda.
Você menciona diversificação e coloca outro assunto crucial na conversa, que é a China.
Aprendemos que é perigoso confiar em apenas um fornecedor. Não é o suficiente, quando estoura uma crise. Nem para a China, que teve de importar 2 bilhões de máscaras. E pode ser perigoso depender de um único fornecedor, especialmente se é um pouco errático e toma decisões arbitrárias. Pode punir países que se comportam politicamente "da forma errada". Essa é uma boa razão para construir mais resiliência no sistema, com mais potenciais fornecedores. É o que está ocorrendo em muitos países e empresas: tentando reajustar seus sistemas de produção para ter mais partes intercambiáveis, que podem ser compradas em diferentes fornecedores, de diferentes países. Esse é o futuro, não a repatriação da produção. Não depender totalmente da China, mas ter diversas opções.
Especialistas em manufatura dizem que o conceito "just in time" (em tradução muito livre, "só o necessário") já mudou para "just in case" (idem, algo como "por via das dúvidas") depois de tantos problemas de suprimento. Isso será temporário ou permanente?
É sempre difícil prever o alcance da memória, inclusive porque há muitas aspectos a considerar, como custos. Mas há um mal-entendido sobre o que é exatamente just in time. Muitos veem apenas como uma forma de cortar suprimentos e partes, e obter o que quiserem quando precisarem. Mas o conceito nascido em empresas japonesas envolve outra ideia: uma forte interação entre as fábricas e seus fornecedores, em tempo real, com muitos dados. Dessa forma, é possível cortar custos, improvisar e fazer mudanças. Muitas empresas só aprenderam essa última parte, a de cortar os estoques. Porém, se aplicarem o conceito como um todo, integrando informações em tempo real, incluindo o transporte, ajudariam todos a ser mais resilientes.
Então, temo que, dos dois lados, haja mais sentimentos nacionalistas, menos interesse em cooperação no comércio e na paz. Nesse caso, realmente há risco de uma nova Guerra Fria, em larga escala, com o bloco democrático de um lado e China e Rússia em outro, como um grande poder dominante.
Voltando à China, qual será o papel do país nesse rearranjo global de forças?
Existe o risco de que haja continuação do desacoplamento (expressão usada nos EUA para se referir à redução da dependência da produção chinesa) que já está ocorrendo. Especialmente se a China continuar tão próxima da Rússia. Então, temo que, dos dois lados, haja mais sentimentos nacionalistas, menos interesse em cooperação no comércio e na paz. Nesse caso, realmente há risco de uma nova Guerra Fria, em larga escala, com o bloco democrático de um lado e China e Rússia em outro, como um grande poder dominante. Há muitos riscos nesse cenário. Para que tenhamos um mundo pacífico no longo prazo, é importante que sejamos interdependentes. Se a China for completamente independente, não há custo de agir sem pensar nos demais. Isso pode ser perigoso e temo que possa resultar em conflitos, em guerras de larga escala no futuro. Mas há também um custo econômico, é claro, para empresas, consumidores e o Ocidente.
É impossível para a Rússia se reintegrar ao mundo enquanto Putin estiver no poder, independentemente do que ocorra. As demandas por sanções serão ainda mais fortes.
Com a guerra se alongando, é possível que termine e voltemos à situação anterior ou é um ponto de não retorno?
É impossível para a Rússia se reintegrar ao mundo enquanto Putin estiver no poder, independentemente do que ocorra. As demandas por sanções serão ainda mais fortes. Mas, por outro lado, a Rússia é praticamente insignificante para a economia mundial. Essa não é a grande mudança. A questão é aonde a China está indo. Isso depende de como eles interpretam o mundo. O mundo interpreta que houve um dramático fracasso de Putin. Houve um terrível erro de cálculo, que terminará com humilhação e a economia russa destruída. Se isso for visto da mesma forma dentro do Partido Comunista, pode prevalecer a visão de que só há um mundo, em que precisam se integrar para viver pacificamente, com democracias. Mas, se Putin for visto como vitorioso, como um conquistador, a China pode ter outra interpretação. Então, é como o canário na mina de carvão: vamos ver se vamos ver se o autoritarismo vai triunfar ou não.
Você costuma dizer que a globalização reduziu a pobreza, mas os números mostram que a desigualdade está crescendo. Como resolver essa equação?
Se olharmos o mundo como um todo, a igualdade vem crescendo nos últimos 20 anos. Precisamente porque muitos países de renda média cresceram muito rapidamente. E os países de renda média-baixa cresceram mais rapidamente do que os países ricos nos últimos 20 anos. Isso é historicamente inédito, é a primeira vez que ocorre desde a Revolução Industrial. No entanto, em certos países, vemos aumento de desigualdade. É preciso ver porque isso acontece. Quando o crescimento ocorre, não chega ao mesmo tempo em todos os lugares. Começa em certas regiões, em setor setores. Isso parece um aumento de desigualdade, mas se for resultado de crescimento em ritmos diferentes, a alternativa seria pior: as pessoas ficarem igualmente pobres. E tem um efeito secundário, que é aumentar as oportunidades de trabalho, desenvolver capacidades, para que o progresso econômico chegue a mais pessoas. Mas também existem casos em que o progresso econômico só beneficia pequenas elites, sem esse efeito secundário. Por isso é necessário continuar investindo para toda a população, melhorar a educação, tornar as pessoas mais competitivas, capazes de disputar novos empregos. Nesse caso, é preciso abolir protecionismo, regulações, monopólios.
Eu seria a favor de uma renda universal mais baixa, não dramaticamente menor, mas para ao menos assegurar que a classe média não seja atraída por isso.
Você é favorável à renda básica universal, que alguns liberais defendem?
Sou a favor do debate (risos). Há pontos importantes. Posso ser a favor de uma renda básica modificada. Existem dois aspectos a considerar, que deveriam interessar qualquer liberal. Em primeiro lugar, pode ser uma forma de substituir outras redes públicas de segurança que são menos transparentes, menos fáceis de administrar, e, não poucas vezes, desenhadas para a classe média, em vez de para as pessoas que precisam mais. Outra razão é que muitas formas de bem-estar social nas nossas sociedades criam armadilhas. Se você é muito pobre, recebe o benefício, mas, no momento em que obtém um emprego, o benefício é removido. Isso cria uma situação em que não compensa buscar um emprego. Além disso, muitas vezes a população pobre paga juros mais altos do que as pessoas ricas. Esse é um argumento a favor da renda básica, mesmo que o beneficiado se empregasse, manteria o progresso econômico. No entanto, custa muito caro. E é uma forma custosa de dar dinheiro à classe média, que não precisa tanto. Eu seria a favor de uma renda universal mais baixa, não dramaticamente menor, mas para ao menos assegurar que a classe média não seja atraída por isso.
No Brasil, há forças políticas que se declaram liberais na economia e conservadoras nos costumes. Isso ainda é liberalismo?
É uma espécie de metade. É sempre interessante que as pessoas achem que liberalismo deveria ser cortado pela metade. E tem o outro lado, o da esquerda, que aceita o liberalismo social, mas não o econômico. Para mim, o liberalismo sempre foi sobre maximizar as liberdades individuais, remover poderes das elites e dos governos. Devolver às pessoas o direito de construir suas próprias vidas. Se você pode fazer o que quer só quando há interesses econômicos envolvidos, é como tirar o governo de sua conta bancária, mas colocá-lo dentro de sua cama, de certa forma. Isso não parece capturar toda a ideia de liberdade.
Agora, forças que ameaçam a democracia, as regras legais e a liberdade de expressão, não são apenas destrutivas. São uma sentença de morte. Não há opções abertas para que haja reação.
Qual o maior risco para o capitalismo: socialismo e comunismo, de um lado, ou as forças políticas emergentes que ameaçam a democracia?
É sempre difícil medir qual oponente é mais ameaçador, até porque existem diferentes tipos, tamanhos e formas. Ambos são riscos para o livre mercado. Socialismo e comunismo sempre querem questionar o capitalismo, forçando regulações, por exemplo. Mas ao menos é um debate aberto. Se essa via não mostra resultados, podemos mudar para outra. Então pode ser uma ameaça temporária à sociedade. É perigoso, mas se pode fazer algo a respeito. Agora, forças que ameaçam a democracia, as regras legais e a liberdade de expressão, não são apenas destrutivas. São uma sentença de morte. Não abrem opções abertas para que haja algum tipo de reação. Para a sociedade em geral, considero essa a principal ameaça imediata. Ainda que em uma eleição vença uma força de esquerda, com a qual não concordo em nada em questões econômicas, ainda haverá oportunidade de uma nova disputa, para discutir esse assunto outra vez. Sem democracia, vale só o mais forte da rua.
Vou voltar a esse assunto, porque é difícil de absorver: como chegamos a uma nova guerra na Europa em 2022?
Penso que aprendemos com a História, mas a História não é linear. É cíclica. Não por padrões econômicos ou sociais, mas por nossa natureza humana. A História não se repete, a natureza humana, sim. Escrevi isso no meu livro Open: na História, muitos humanos são abertos a novas oportunidades, querem fazer trocas, cooperações, mas convivem com modelos mentais fechados, que nos fazem cautelosos, desconfiados, agressivos, porque pensamos que eles estão ganhando, e nós, perdendo. Em tempos de crises, essa mentalidade fechada predomina e faz surgir guerras comerciais e guerras de verdade. É isso que políticos e autoritários são bons em explorar: em nos preocupar conosco mesmo, pensar que o problema está do outro lado da fronteira ou em outro grupo social. Eles dizem: "Isso ameaça você e seu estilo de vida, mas se você me der poder total, vou destruí-los". Isso resulta em autoritarismo e discriminação, e em estado de guerra. É o que vivemos hoje. Podem não saber como manter o poder dentro da Rússia, mas sabem muito bem como dizer às pessoas: "Eles querem pegar vocês, então vocês precisam de mim para protegê-los e destruir o inimigo". Alguns leram a história do capitalismo e aprenderam a lição errada.
O Fórum da Liberdade 2022
• A 35ª edição do evento do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) será realizada na segunda (11) e terça-feira (12), em formato híbrido, ou seja, presencial e com transmissão ao vivo online.
• É possível inscrever-se para participar das duas modalidades.
• São convidados, entre outros, Alexander McCobin, Alexandre Ostrowiecki, Fernando Ulrich, Francisco Bosco, John Cochrane, Luiz Felipe Pondé, Melissa Chen, Niall Ferguson, Roberto Salinas, Stephen Hicks e Tom Palmer.
• O tema geral desta edição é "Você é livre para discordar?".
As mesas terão temas específicos como os limites da tolerância, guerras culturais, compatibilização entre lucro e sustentabilidade, autoritarismo e liberdade de expressão.
• Formulários de inscrição e demais informações sobre horários e acesso estão disponíveis em forumdaliberdade.com.br.