O massacre em Bucha, na Ucrânia levantou, novamente, o tema dos crimes de guerra e contra a humanidade, com o clamor de boa parte da comunidade internacional para que a Rússia e seu presidente, Vladimir Putin, sejam levados ao banco dos réus.
Embora os direitos individuais e coletivos sejam princípios que começaram a ser discutidos a partir da Revolução Francesa (1789), com a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o tema ganhou força, na contemporaneidade do debate internacional, somente no pós-Segunda Guerra Mundial, a partir da criação das Nações Unidas. Foi com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, que os 30 artigos passaram a ser usados para se garantir, por meio de regimes internacionais, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos, contra a tirania e a opressão.
Seu artigo 5º afirma "ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".
Já as Convenções de Genebra, gênese do Direito Internacional Humanitário ou Direito Internacional dos Conflitos Armados, são tratados formulados no hiato desse período, entre 1864 e 1949.
Em 1863, Henri Dunant, um filantropo suíço, motivado pelos horrores de que foi testemunha na Batalha de Solferino, durante a guerra pela independência da Itália, decidiu reunir um grupo de pessoas para estudar meios de combater a insuficiência do serviço sanitário nos exércitos em campanha. A reunião deu origem à Cruz Vermelha Internacionao. Um ano mais tarde, em 1864, houve uma conferência diplomática (a primeira convenção de Genebra), que visava criar um ordenamento capaz de respeitar e cuidar dos militares feridos ou doentes. Assim, foram criadas diferentes convenções e seus protocolos adicionais. A quarta convenção, por exemplo, de 1949, é relativa à proteção de civis em período de guerra. Eles não podem ser sequestrados, servir de "escudos humanos" e qualquer intenção de usá-los como alvos é estritamente proibida.
Violações às convenções são investigadas pela Corte Internacional de Justiça (julga Estados) e pela Corte Penal Internacional (ou Tribunal Penal Internacional, que julga indivíduos).
O papel de cada uma dessas cortes explicitei nessa coluna (leia aqui), ao apontar porque Vladimir Putin, apesar dos massacres que temos visto em Bucha, dificilmente seria levado ao banco dos réus.
Desde o início do conflito na Ucrânia também passamos a ouvir falar com maior frequência sobre crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade. Mas há diferenças entre eles. De forma simplificada:
- Crimes de guerra são violações dos direitos humanos ocorridos durante guerras. Para julgá-los, basicamente, se utiliza as Convenções de Genebra e o Estatuto de Roma (artigo 8). De forma geral, é quando um dos atores envolvidos no conflito ataca objetivos (humanos ou infraestrutura) não militares - civis, prisioneiros de guerra e feridos (militares ou não). Alguns exemplos: utilização de armas de destruição em massa (químicas, biológicas ou nucleares), ataques propositais contra civis, privar prisioneiros de julgamento justo, tortura, fazer uso de reféns ou de estupro da população civil.
- Crimes contra a humanidade podem ser cometidos tanto em períodos de paz quanto de guerra. Fica caracterizado quando é parte de uma política de governo: são assassinatos, massacres, extermínios, uso de crianças como soldado, desaparecimentos forçados, sequestros, escravidão, canibalismo, repressão política ou racial, esquadrões da morte. A primeira definição de crime contra a humanidade aparece nos princípios de Nuremberg, de 1950, aprovados pela ONU.
- Genocídio significa a exterminação sistemática de pessoas tendo como motivação diferenças de nacionalidade, raça, religião e etnia. Tem o objetivo de liminar minorias étnicas em determinadas áreas. O Holocausto é o exemplo mais emblemático. A palavra passou a ser usada após 1944. Além do extermínio de uma raça ou etnia e da perseguição da mesma, o deslocamento forçado de um grupo de pessoas é considerado genocídio. Além do Holocausto, houve outros genocídios no século 20: Camboja, pelo regime do Khmer Vermelho, entre 1975 e 1979, em Ruanda, dos tutsis pelos hutus, em 1994, e na Bósnia, de muçulmanos bósnios, pelo exército da Sérvia.