A frase do título não é minha. É do secretário de Estado americano, Antony Blinken, em sua primeira reação diante do anúncio da Rússia de que reduziria "drasticamente" as ações militares no norte da Ucrânia, na terça-feira (29). Era retórica, forma de manter a pressão sobre o presidente Vladimir Putin até que ele cumpra, no terreno, sua palavra. Mas é também de alguém escaldado por promessas não cumpridas feitas pelo Kremlin.
Chernihiv, que passou a madrugada sob intenso bombardeio, nada muito diferente do que ocorre todos os dias desde 24 de fevereiro, era justamente uma das cidades que os russos haviam anunciado reduzir "drasticamente" as ações militares. A outra é Kiev.
Significa que Putin mentiu? Pode ser. Não será a primeira vez. Lembremos que, enquanto suas tropas se acumulavam nos arredores das fronteiras ucranianas desde novembro, o presidente russo negava a intenção de invadir - eram apenas exercícios militares, dizia. Mais: o primeiro míssil foi lançado contra a Ucrânia no mesmo dia em que, em Nova York, sua delegação negociava a paz no Conselho de Segurança da ONU.
A contradição pode não ser, no entanto, apenas mais uma mentira de Putin. Pode significar que ele não tenha pressa.
Uma redução de atividade militar no norte da Ucrânia já estava em curso nos últimos dias, antes mesmo do anúncio em Istambul. Tropas russas na região estão retornando para Belarus devido a problemas de logística e para reorganização das táticas. Os militares estão sem peças de artilharia e outras munições e precisam reabastecer com urgência. Faz sentido recuar, reorganizar e voltar ao campo de batalha.
Ainda mais se o objetivo principal for a conquista do Donbass, onde ficam as "repúblicas" separatistas de Donestk e Luhansk, agora que o corredor entre essa região e a Crimeia está praticamente concretizado a partir de Mariupol.
Recuar não significa se render. Pode ser um período importante para Putin construir a narrativa interna de forma a parecer que ganhou a guerra. A vitória mínima — Donetsk e Luhansk autônomas ou anexadas como parte da Rússia - seria suficiente para concretizar, por enquanto, o sonho nacionalista da "nova Rússia", principalmente diante de uma massa de população que não tem acesso às informações sobre o conflito, como a maioria dos russos.
Mentir, dissimular, é parte da guerra da informação, apenas uma das ferramentas dos senhores do conflito. O problema é que a ambiguidade — nesta quarta-feira (30), o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que não houve nenhum avanço em Istambul — não serve na mesa de negociação. Em nada contribui para gerar confiança mínima necessária para que as conversas continuem.