Como efeito colateral da pressão inflacionária, o ataque da Rússia à Ucrânia tende a levar o país à recessão, avalia Cláudio Frischtak, sócio gestor da Inter.B - Consultoria Internacional de Negócios.
Se as negociações de paz iniciadas nesta segunda-feira (28) não produzirem uma redução no teor bélico em até duas semanas, a queda no PIB do Brasil pode chegar a 3%, avalia o especialista em negócios internacionais.
— É óbvio que o grau de incerteza é muito grande e não se pode fazer projeções de forma inequívoca, mas tudo depende se os russos vão obter algum compromisso crível do governo da Ucrânia de que não vai se juntar à Otan até 2050, por exemplo. Considero factível. Talvez todos saíssem com um sorriso amarelo, mas satisfaria Putin, que poderia cantar vitória e chegar a um acordo de retirada das tropas e até de indenizações — afirma Frischtak.
Para o especialista, esse seria "um cenário bastante positivo", mas estima que seriam necessárias duas semanas para obter ao menos uma minuta de um acordo para suspender ou baixar a intensidade das hostilidades. Como as sanções não seriam retiradas da noite para o dia, pondera, já haveria impacto para o Brasil. Mas a situação mais preocupante, acrescenta, seria o fracasso da tentativa:
— Se as as negociações não avançarem, vamos começar a ver as retaliações da Rússia às sanções. Esse processo já começou hoje (segunda, 28), com o fechamento do espaço aéreo russo para 36 países. Isso é muito relevante, porque passar pela Rússia encurta o caminho da Europa para a Ásia.
A reação "nuclear" de Putin seria o corte na oferta de energéticos, diz Frischtak. A Rússia é o segundo maior exportador de petróleo e gás, só atrás dos Estados Unidos.
— Se retaliar no âmbito dos energéticos, vamos entrar em recessão global. O petróleo pode ir a US$ 160, será um cenário como o de 1979 (do chamado segundo choque de petróleo). O Brasil hoje está mais protegido porque produz mais, mas vai ter choque de preços aqui também. E será um choque adverso do ponto de vista do crescimento. Hoje, as projeções do PIB já estão em torno de zero, em cenário de guerra que se amplia podemos perder 2%, até 3%. A inflação poderia salta de 5,5% para até 8%, o Banco Central (BC) teria de reagir elevando o juro e freando ainda mais a economia — pondera Frischtak.
O especialista lembra que o BC está em adotando uma política monetária mais dura, e a inflação já começou o ano mais elevada do que se imaginava. É provável que neste ano, mesmo sem guerra, a meta de inflação não fosse atingida de novo. Além disso, Rússia e Ucrânia respondem pelo fornecimento de 30% do trigo e 20% do milho no mundo, além de parte considerável dos fertilizantes.
— Aumenta a pressão sobre o BC para ampliar e acelerar a política monetária mais restritiva. Aí, não há santo que dê jeito. A política fiscal está fragilizada, apesar da melhora nominal, o quadro estrutural é ruim, há uma tentação populista danada, os mercados nervosos, o Ministério da Economia está fragilizado. O BC, do ponto de vista institucional, é nossa única âncora.
Frischtak aponta outro risco poucas vezes destacados entre os impactos econômicos da guerra: a Rússia fornece cerca de 45% do paládio consumido globalmente. Trata-se de um metal estratégico na produção de circuitos integrados, cuja produção e distribuição ainda não se normalizou. Se retaliar, pode retardar ainda mais o fornecimento de semicondutores que ainda fazem falta na indústria, inclusive no Rio Grande do Sul.