Na sexta-feira (25), a divulgação do balanço da gaúcha Marcopolo foi um alívio para o CEO da companhia, James Bellini. Em entrevista à coluna, o empresário, um dos filhos do fundador, Paulo Bellini, foi sincero:
— O último trimestre de 2021 foi de recuperação. Conseguimos virar um resultado que estava muito negativo e trouxemos para o break even (expressão usada quando não há lucro nem prejuízo).
Embora o lucro líquido registrado seja de R$ 358,4 milhões, longe de um "empate", Bellini não esconde: é efeito de "eventos extraordinários", ou não recorrentes. E com a mesma sinceridade que fala das dificuldades, Bellini antecipa boas notícias: depois de reduzir o quadro de pessoal em cerca de 30% nos dois anos de pandemia, a Marcopolo voltou a contratar e vai manter uma tradição: trabalhar no Carnaval, porque tem muitos pedidos de ônibus para atender.
Como está a situação da empresa?
Estamos em processo de retomada. No ano passado, o terceiro trimestre ainda teve impacto muito forte da pandemia e do mercado, em nível ainda muito inferior ao normal. Mas o último trimestre de 2021 foi de recuperação. Conseguimos virar um resultado que estava muito negativo e trouxemos para o break even (equilíbrio). O lucro registrado no ano foi devido a efeitos não recorrentes. Conseguimos recuperar impostos, o que acabou sendo muito bom, impactou positivamente nossos números.
Foi o que permitiu registrar lucro de R$ 358,4 milhões no ano?
Sim, foi o grande fator positivo, apesar de todos os problemas. Esse valor poderia ter sido consumido por um resultado operacional ruim. Mas com ações para ajustar a empresa ao tamanho atual do mercado, conseguimos buscar um resultado muito importante que foi o zero a zero. Considero essa uma grande vitória do time: trazer o desempenho operacional para o zero a zero. Transformarmos um potencial resultado negativo, que teria impacto importante no período todo e por ter conseguido equilíbrio no resultado operacional, vamos fazer uma boa distribuição de dividendos, que significa renda para os acionistas.
Como isso foi possível?
O final do ano foi muito bom para a grande maioria dos clientes, com crescimento a níveis pré-pandemia. Os pedidos estão entrando, só ainda não deu tempo para vender e renovar todo o processo produtivo, porque enxugamos muito a empresa. O processo de ramp up (subida de nível) nos traz certa dificuldade para aumentar a produção, mais ainda com a empresa ajustada do que quando tinha muita gente sobrando.
De que tamanho foi o enxugamento?
Era inevitável. Considerando toda a pandemia, reduzimos cerca de 30%. Tínhamos cerca de 10 mil funcionários no Brasil e 4 mil nas operações no Exterior. Hoje, temos perto de 10 mil no total, cerca de 7,5 mil no Brasil e 2,5 mil lá fora. Mas voltamos a contratar, à medida que o mercado vai retomando. Vemos um aumento proporcional na entrada de pedidos. A carteira está muito maior do que nos últimos dois anos. O mercado de urbanos se recuperou em velocidade maior, o de fretamento continua aquecido, não está mais crescendo mas se estabilizou em bom patamar. Nossas linhas de Volare e Micro foram as que menos sofreram. Mas ônibus do programa Caminho da Escola teve certa contenção com a pandemia e o mercado de varejo foi o que mais sofreu. Agora, ônibus para linhas regulares, intermunicipais, interestaduais e até de turismo têm recuperação consistente. Ainda não chegamos aos níveis de 2018 e 2019, também por conta da Ômicron. Temos muitas negociações em andamento, mostrando tendência bem positiva. Estamos esperando um ano muito bom, tanto que já estamos contratando.
Existe previsão do número de contratações?
É um processo que já está ocorrendo, mas ainda há muitas variáveis externas incontroláveis. Aprendemos a trabalhar com isso durante a pandemia. A principal lição foi não dar o passo maior do que a a perna. Cautela é palavra de ordem aqui.
A Marcopolo enfrentou muitos problemas com matéria-prima, com o aço, por exemplo?
Foi um dos grandes desafios. Nosso cliente já estava impactado financeiramente pela pandemia, porque trabalha com transporte de pessoas, era difícil ainda ter de absorver aumento de inflação. O aço subiu 140% desde o começo da pandemia. O alumínio, mais de 100%. Impactaram muito o custo da carroceria, que leva muito aço, alumínio, vidros. Agora, o patamar de preços já está mais realista.
A empresa foi afetada pela escassez de semicondutores?
Foi um grande desafio e continua sendo. Não está impactando apenas a nós, fabricantes de carrocerias, mas na indústria de chassis, empresas como Mercedes, Scania, Volvo. Nós usamos muito na nossa nova geração de ônibus, a geração 8, que tem um comando, a head unit, com muitos semicondutores. A produção de janeiro deste ano já foi menor do que poderia ter sido por esse problema. Mas é uma boa notícia pra nós: é um problema de mercado, de pedidos, mas de fornecimento.
Mesmo com todos esses desafios, a empresa está na Festa da Uva...
Não tem como não estar. A ideia é mostrar toda a evolução tecnológica que houve nesses anos. Um dos pontos cruciais da estratégia, que de fato está nos colocando em situação muito confortável foi o fato de que a Marcopolo não parou de investir. Se por um lado segurou o motor do nosso core business (os ônibus, principal negócio), fazendo os ajustes necessários, investiu no ônibus elétrico e na Marcopolo Rail. Estamos mostrando essas novidades. É importante que o público da cidade e os visitantes saibam que empresas daqui tem essa capacidade de investimento que faz toda a diferença. Também estamos no people mover, que vai começar a operar no aeroporto de Guarulhos.
Que é uma boa vitrine, não?
É uma baita vitrine. É um segmento que deve crescer, não de forma muito acelerada, mas é algo novo para nós. Estamos começando e também não queremos dar o passo maior do que a perda. Mas é uma diversificação em que estamos apostando bastante, assim como os VLTs da Marcopolo Rail.
A Marcopolo teme instabilidades no período eleitoral?
Independentemente de quem esteja no governo, trabalhamos da mesma maneira. A Marcopolo precisa do governo, é um elemento importante, porque se trata de transporte público. Somos apartidários, não temos nenhum tipo de preferência. Convivemos bem com todos os governos, do PT, do centro, da extrema direita.
Mas há algum risco de disparada no câmbio, por exemplo?
Sinceramente, não tenho essa preocupação. O Brasil não tem mais espaço para que nenhum governo faça nada muito radical. Não acredito que ninguém tenha força para passar por cima da Constituição. Com tantas preocupações, essa está em último lugar. Agora, a maior é sobre os semicondutores. E mesmo com esse problema, estamos mantendo um ritmo de produção aceitável, mesmo neste início do ano.
A Marcopolo vai funcionar no Carnaval?
Sim, como normalmente. Pararíamos se houvesse problema de não ter ônibus para pôr em linha. Mas temos muitos para produzir, então vamos manter a tradição e não fazer feriado.