O que a empresa chamou de "suspensão temporária" das operações da ITA (Itapemirim Transportes Aéreos), do grupo de mesmo nome, na sexta-feira passada (17), deixou em terra milhares de passageiros às vésperas do Natal.
Se não fosse pelo fato de que muitos sequer sabiam da existência da ITA, que havia começado a voar em maio, seria um eco do que já ocorreu com Varig, Vasp, Transbrasil e, com desfecho diferente, mas fruto dos mesmos céus turbulentos, com a TAM, comprada pela chilena Lan.
A empresa afirma que se trata de parada temporária, para reestruturação interna por necessidade de "ajustes operacionais". Um negócio que precisa interromper atividades para se reajustar emite mais do que um sinal de alerta. Uma das preocupações é o fato de a Viação Itapemirim, do mesmo grupo, estar em polêmico processo de recuperação judicial desde 2016, em que a maior parte das dívidas é tributária, de R$ 2,2 bilhões.
Essa, aliás, é uma das dúvidas que frequenta os debates entre especialistas sobre as causas do pouso emergencial da Ita, tão pouco tempo depois da decolagem: como um grupo em recuperação judicial obtém autorizações para atuar no mesmo setor (transporte público, portanto dependente de concessão), mas em segmento ainda mais complexo e delicado em caso de problemas de operação.
A interrupção das atividades da ITA, combinada a problemas de infraestrutura - excesso de chuva provocou fechamento de pista -, provocou um ensaio de caos aéreo no Natal de 2021. Ainda se veem consequências em Guarulhos, com reflexos até no Salgado Filho.
Os antecedentes não recomendavam: em julho de 2017, o Grupo Itapemirim, já em meio às dificuldades da recuperação judicial, tentou entrar na aviação com a compra da Passaredo, que teve de ser cancelada na sequência, por falta de cumprimento das obrigações previstas.
A nova chance para a Itapemirim teve a impressão digital do governo Bolsonaro: a ascensão aos céus do Brasil foi anunciada em outubro de 2020, uma live do presidente, pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (para rever, clique aqui). Questionado a respeito nesta semana, Freitas afirmou que, na época, a ITA cumpriu todos os requisitos para obtenção da licença na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Disse ainda que a análise da concessão envolveu questões à equipe responsável pela recuperação judicial e ao Ministério Público Estadual.
É verdade que o momento seria desfavorável a qualquer empresa, entre as incertezas da pandemia, que impactou duramente as companhias aéreas, e o pico no preço do petróleo, que explodiu o custo do querosene de aviação. A Latam, com mais experiência e horas de voo, pediu recuperação judicial nos Estados Unidos, a Avianca faliu. Mas os perigos dos céus do Brasil já deveriam ter ensinado que conceder o serviço a uma empresa mais sólida poderia evitar o estresse nos aeroportos nos últimos dias e novas perdas para a economia.